Super Bock Super Rock 2018 (dia 1): celebração da música com guitarras ao alto

por Comunidade Cultura e Arte,    20 Julho, 2018
Super Bock Super Rock 2018 (dia 1): celebração da música com guitarras ao alto
The xx – ©Sofia Rodrigues/CCA
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Dos três dias do Super Bock Super Rock, o cartaz do primeiro era o menos forte; mas isso não impediu que se revelasse uma boa surpresa, na hora de experienciar os concertos. O Palco EDP esteve particularmente forte, com uma paleta diversificada de rock – interrompida pela performance soul inspiradora de Lee Fields and the Expressions. A curadoria do palco secundário fez com que não nos apetecesse largá-lo até terminar de vez o concerto dos The Vaccines. A paisagem do Parque das Nações permite-nos ir mantendo sempre o contacto com a frente ribeirinha, o que confere ao festival uma amplitude e um relaxamento superior ao que seria de se esperar para um evento na capital. Este é o nosso balanço dos concertos do dia inaugural da 24ª edição do SBSR.

Quem são os Parcels? O espectáculo da banda australiana – presentemente sediada em Berlim – é daqueles casos em que, depois de ouvirmos o leque de canções que escolheram apresentar-nos, não deixam dúvidas quanto à sua identidade. E não porque se tenham limitado a um determinado género quadrado; pelo contrário, passaram por estilos bem diversos ao longo da noite. Sempre com uma atitude bem disposta, divertida e envolvida no concerto, os Parcels começaram por nos presentear com uma disco revivalista, cantada a quatro vozes, a soar quase a Bee Gees. Daí passámos para um funk descontraído, a fazer lembrar o disco mais recente dos Daft Punk. Mais tarde, a encerrar o concerto, houve tempo para um momento fora da caixa face ao que até então tínhamos ouvido: uma longa sequência instrumental, intensa e psicadélica, próxima do punk. Uma versatilidade surpreendente que, nos últimos segundos, ainda evoca as brincadeiras vocais de Animal Collective. Demasiadas referências? Não temos a certeza de conseguir explicar quem são os Parcels, mas a verdade é a banda deu tudo, foi surpreendendo, divertindo e interpretando boa música. Serão muito bem-vindos de volta – os largos sorrisos e a dança entre o público confirmam essa mesma vontade.

Parcels – ©Sofia Rodrigues/CCA

Logo de seguida, no mesmo Palco EDP, era hora dos Temples. O sol espreitava pelas aberturas do fundo do palco, iluminando a zona frontal do Pavilhão de Portugal. Se o concerto anterior já nos tinha convocado um imaginário do passado, os Temples atiraram-nos de vez para os anos 70. As roupas e os cabelos, desde logo; mas acima de tudo o som, pop-rock psicadélico, não muito distante do que os Tame Impala ajudaram a revitalizar nesta década. O público responde, canta os múltiplos singles que não serão desconhecidos de nenhum ouvinte regular da Vodafone FM. O leque tonal dos Temples vai surpreendendo ao longo do concerto, as guitarras e as teclas envolvendo-se em bonitas camadas envolventes. A música da banda não é redundante – as composições diferenciam-se uma das das outras, com os seus apontamentos únicos, e dão um novo embrulho às sequências que o rock progressivo dos anos 70 inventou, aqui apresentadas de uma forma mais sintética. E sempre com aquela atitude britânica que leva a música muito a sério.

Temples – ©Sofia Rodrigues/CCA

A alteração dos horários do festival, anunciada na véspera, empurrou os concertos do palco principal uma hora para a frente. Assim, o concerto tributo a Zé Pedro, o eterno guitarrista dos Xutos e Pontapés, começou às nove da noite, e haveria de durar mais de uma hora e meia. Pelo Palco Super Bock, passaram muitos nomes importantes da música portuguesa, em homenagem ao artista. Entre covers do músico, dos Xutos, e canções originais, o ambiente era de celebração do rock português e de um legado que permanece nas expressões artísticas de muitos artistas. João Pedro Pais interpretou um tema que compôs a pensar em Zé Pedro, e que lhe enviou em Março de 2017. Manuela Azevedo interpretou com Tim e Paulo Gonzo um cover. Manel Cruz cantou “Quero-te Tanto”. Jorge Palma, Rui Reininho e Tomás Wallenstein foram alguns dos outros músicos que marcaram presença neste concerto único. Como disse Carlão a certa altura, se todos os artistas que quisessem fazer a homenagem participassem, o tributo ocuparia as três noites do festival. Foi uma bonita e sentida proposta do Super Bock Super Rock – em comum, em cima do palco e na plateia, a devoção e gratidão a um dos precursores do rock ‘n’ roll neste cantinho à beira mar plantado.

Tributo “Who the F*ck is Zé Pedro?” – ©Sofia Rodrigues/CCA

Enquanto decorria este tributo no palco maior do festival e Filipe Sambado actuava no palco LG, começavam a tocar no palco EDP os Expressions de Lee Fields. Com uma abertura no centro do palco, marcado por um microfone, só faltava entrar no palco a figura de proa do projecto, anunciada pelo pianista. Quando a figura atarracada, vestida com um fato branco a rigor, entra em palco, ficam então completos os Lee Fields and the Expressions, que deram ao público do festival algo completamente diferente do que os precedeu e do que se seguiria. Um revivalismo soul tomou de assalto o palco, pela voz arranhada de um genuíno membro desse movimento. “I’m Coming Home” abre o concerto, com Lee a demonstrar os seus dotes tanto de cantor como de performer, com arrancadas repentinas em direcção ao público ora de um lado, ora do outro, incitando-o a mexer-se. “Are you happy?” foi a questão mais ouvida ao longo do espectáculo e, pela reacção do público, diríamos que a felicidade abundava. As canções não fugiam muito da mesma toada, apenas variando em termos de ritmo, mas apesar da idade avançada e menor destreza física, o artista vendeu-as com convicção, deixando uma atmosfera de feel good no ar, que se manteve no concerto a seguir.

Há dois anos que não vinham a Portugal – mas não é que nos possamos queixar de termos poucas visitas dos The Vaccines. Os londrinos vieram completar a trilogia de concertos no Super Bock Super Rock, depois das passagens em 2011 e 2015 por este mesmo festival (pelo meio foram passando por outros). O som dos The Vaccines, revivalismo  de rock de garagem com travos de power pop, apresentou-se despretensioso, simples, linear. Mas as linhas de guitarra surpreendem pela sua beleza, ora num solo, ora num acompanhamento. O alinhamento, que foi buscar muito ao álbum de estreia da banda, estava perfeitamente equilibrado, com as modulações certas para manter o interesse do público, que saltava e cantava debaixo da pala do Pavilhão de Portugal. Um concerto enérgico cheio de energia positiva. É verdade que Julian Casablancas só virá sábado ao festival – mas em The Vaccines sentimos um cheirinho a The Strokes. E que bem que soube.

The Vaccines – ©Sofia Rodrigues/CCA

Esperávamos ter dificuldades a entrar na Altice Arena para apanhar um bom lugar para o concerto dos The xx, dado que uma alteração súbita de horários o encavalitou ainda mais com o dos The Vaccines. No entanto, cinco minutos antes da hora marcada, o recinto ainda estava a meio-gás. Com 10 minutos de atraso – talvez para deixar encher mais a arena – entrou em palco o trio que revolucionou a paisagem da música contemporânea em 2009 e que tantos corações faz bater mais depressa. Decididos a entusiasmar o público logo desde início, abriram com o som instantaneamente reconhecido de “Dangerous”, canção que tão bem abre o mais recente disco com um ritmo dançável e uma linha de baixo cheia de groove. O que se seguiu foi um espectáculo que nos relembrou da colecção impressionante de canções que os britânicos têm vindo a acumular: “Islands”, “Say Something Loving” e “Crystallized” apareceram assim de seguida, num alinhamento fortíssimo que deleitou o público, acompanhando as vozes idiossincráticas e encantadoras dos vocalistas com um coro dedicado.

Às canções já de si emotivas dos The xx, adicionaram-se momentos como o de “Performance”, em que Romy Madley Croft se atirou à canção sozinha, apenas armada com a sua guitarra e voz, com as quais o burburinho das conversas do público competiu, numa atitude desrespeitosa da parte do mesmo. Apesar disso, tanto Romy como Oliver iam sempre agradecendo o apoio e a presença do público naquele que foi o último espectáculo da tour europeia, ao fim de dois anos na estrada. Entendendo que o público queria mais agitação, perto do final foram dadas alas a Jamie xx para debitar as suas batidas no segmento mais dançável do espectáculo – que começou com uma versão de “Loud Places”, do seu próprio álbum a solo, canção cantada por Romy, passando depois pelo seu remix de “On Hold”, que desembocou na canção original, muito celebrada pelo público.

O segundo álbum da banda, Coexist, apesar da reacção mais morna que recebeu, continua claramente a ser muito especial para a banda, sendo o veículo para Oliver dedicar uma canção aos elementos LGBTQ+ presentes no público (“Fiction”) e Romy dedicar outra a um novo membro da sua família, nascido nesse dia (“Angels”), canção essa que terminou o espectáculo. É sempre um prazer recordar as canções dos The xx juntamente com a banda, que se dedica sempre aos seus concertos de forma apaixonada.

The xx – ©Sofia Rodrigues/CCA

Entretanto, numa decisão curiosa da organização, recorrente ao longo do dia, o festival esteve temporariamente sem actuações musicais. Isso, adicionado a um atraso na preparação do concerto dos Justice, fez com que o recinto escoasse parte da sua audiência. Foi então que, a 15 minutos das 2 da manhã, o duo francês presenteou o público ainda presente com um set que, acima de tudo, foi cansativo; mas de uma forma boa. O mote era exclusivamente pôr toda a gente a dançar. Para tal, os Justice recorreram a versões hiperactivas das suas canções, com ritmos alucinantes, pequenos snippets das típicas vozes acriançadas que as populam e teclas progressivas, numa espécie de música futurista imaginada nos anos 80 – ideal completo pela indumentária dos artistas. Muito honestamente, eles podiam ter feito o que quisessem, pois o espectáculo de luzes falaria por si: perfeitamente coordenado com a música, dinâmico e não aconselhado a epilépticos, foi o perfeito complemento para a música. O público reagiu bem, dançando entusiasticamente ao som de “D.A.N.C.E.” ou “We Are Your Friends”, queimando os cartuchos de uma quinta-feira longa.

Para os restantes corajosos, os malianos Songhoy Blues ainda deram ao público uma amostra dos seus blues do deserto. Com os intrincados ritmos característicos do afrobeat, passando pelo filtro do rock clássico, a sua música é animada e quente. Aliou Touré, o carismático vocalista e ocasional guitarrista, apresentava os seus movimentos de dança impressionantes, numa celebração da música que afirmou ser aquilo que unia o público que ali estava presente. O ambiente era de gáudio e só foi pena não haver mais gente presente para dele fazer parte.

Hoje o Super Bock Super Rock continua num dia mais dedicado ao hip-hop, com actuações de Travis Scott, Anderson .Paak e Slow J. Continua a acompanhar a cobertura da Comunidade Cultura e Arte ao longo do festival.

Artigo de Tiago Mendes, com contribuição de Bernardo Crastes.

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