Super Bock Super Rock 2018 (dia 3): nostalgia, melancolia e um som estridente
O terceiro e último dia da 24.ª edição do Super Bock Super Rock começou lentamente, com bastante menos pessoas do que no dia anterior e com toda uma outra faixa etária no lado da assistência. Considerado por muitos o dia mais fraco do festival, embora coroado pelos nomes de Benjamin Clementine e Julian Casablancas, para muitos outros foi a noite especial em que os The The regressaram aos palcos depois de um longo afastamento de 17 anos. Embora o cartaz deste último fôlego do festival carecesse de mais coesão e identidade, ainda dançámos ao som de alguns nomes mais desconhecidos que constituíram boas surpresas. Este é o nosso olhar sobre o terceiro dia da 24.ª edição do SBSR.
Enquanto no palco LG os Sunflowers viam o primeiro mosh pit da noite (e provavelmente o único) e se debatiam com alguns problemas técnicos, no palco EDP Baxter Dury premiava as centenas de pessoas presentes com a decadência boémia que imprime à sua persona em palco. Não é um desconhecido do nosso público, tendo já actuado a norte, no NOS Primavera Sound, e a fórmula repete-se, agora alavancada pelo belíssimo álbum lançado no ano passado, Prince of Tears. E foi alicerçado pelas 2 vozes femininas (uma das quais a talentosíssima Madelaine Hart), por uma linha de baixo pujante e pelo inseparável copo de vinho que Baxter Dury fez dançar as centenas de pessoas que se aglomeravam debaixo da pala do Pavilhão de Portugal. Esperamos vê-lo num ambiente mais fechado, mais escuro, mais intimista, para cantarmos “I think my mate slept with you when you were in Portugal” em uníssono e aprendermos os magistrais passos de dança de Baxter Dury.
No palco principal, Stormzy entretinha o público (para uma Altice Arena praticamente vazia) com o grime que o tornou popular entre os fãs do pop rap. Pouco sabíamos da artista iraniana Sevdaliza, a não ser que explorava uma electrónica experimental. Ao chegar, somos surpreendidos: a vocalista escondia-se atrás de um imenso molho de flores. Acompanhada de um teclista e de um excelente baterista, a voz e a performance de Sevdaliza surpriendiam a cada minuto, não se conseguindo nunca prever onde é que o início de cada faixa nos levaria. Algumas das canções remetiam para escalas harmónicas do médio oriente, complexificando o som já de si rico em pormenores. Sevdaliza manteve a postura séria até os fotógrafos abandonarem o fosso – “dei indicações para que saíssem ao fim da 6.ª música para poder sorrir a partir de agora”, confessou, exibindo pela primeira vez um semblante descontraído. A partir daí o concerto tornou-se mais expansivo, embora sempre mantendo uma certa distância e pretensão artística. Foi uma boa surpresa; um daqueles momentos em que um festival nos apresenta algo de novo e bom.
Benjamin Clementine lançou o seu primeiro EP em 2013 e desde então já actuou 14 vezes em Portugal. Com um público devoto, rendido à espectacularidade do álbum de estreia “At Least for Now”, Benjamin Clementine encontrou sempre em Portugal um local de conforto e, ao longo dos anos, perdeu a timidez e o olhar inseguro que marcaram as suas primeiras actuações entre nós. Acompanhado por um baterista, guitarrista/baixista e por um quinteto de cordas, Benjamin Clementine começou “Ave Dreamer” e percorreu os até agora dois álbuns lançados. Fez-se acompanhar, embevecido, por Ana Moura, numa interpretação de “I won’t complain”, que comoveu os presentes; e brincou que o convidado que se seguiria seria Seu Jorge (e não me parece que o desculpemos desta brincadeira) e correu, qual criança, pelo palco e entre os manequins que, em fila, faziam parte do cenário. Exigiu ainda silêncio absoluto, levou o público a cantar, quase em jeito de mantra “I’m sending my condolences to fear / I’m sending my condolences to insecurities” e riu, desafiou os olhares do público, terminando em apoteose com “Adiós”, onde em jeito de duelo com um elemento do público entoou dezenas de vezes “The decision is mine/Let the lesson be mine/ ‘Cause the vision is mine”. No final a mensagem “Eu vou-me lembrar de Portugal para sempre!” e parece-nos que é recíproco. (Uma pequena nota: as estações de televisão que fazem a cobertura de eventos como este deveriam ter mais respeito pelo público que está a assistir a um concerto e fazer as entrevistas num outro local)
Simultaneamente, no Palco EDP, os The The faziam as delícias de muitos que se deslocaram propositadamente ao Parque das Nações só para os ver. Os The The, banda inglesa pós-punk de 1979 com inúmeras formações onde Matt Johnson é o único que persiste, estiveram quase 20 anos afastados dos palcos e, no âmbito do Record Store Day de 2017, lançaram “We Can’t Stop What’s Coming”, em colaboração com Johnny Marr. O que se seguirá, não sabemos, mas os muitos fãs que acamparam desde cedo em frente ao palco EDP para ver Matt Johnson não saíram, de forma alguma, defraudados.
O encerramento do Palco Super Bock encarregar-se-ia de elevar os décibeis ao expoente máximo. Sentia-se alguma emoção na sala, embora a arena estivesse desfalcada. Afinal de contas, seria a primeira vez desde 2011 que o vocalista dos The Strokes pisaria um palco português. Não íamos ouvir The Strokes, mas é uma referência incontornável. A voz de Julian Casablancas apresenta-se da mesma forma em ambos os projectos: intensidade e distorção, aqui acompanhada frequentemente de outros efeitos adicionais que ainda a tornam mais processada. Já as guitarras dos The Voidz são límpidas (mas não inofensivas). O rock progressivo dos The Voidz não poupou no volume e na reverberação – Julian brincava que estava a dançar em eco, com o som de palco que tinha por referência. Mas o concerto teve um ritmo muito estranho, com os intervalos entre as músicas a demorar tempo excessivo. E o desinteresse e a moleza de Julian contagiou um pouco o ambiente do público. Embora de alguns pontos da audiência o som não estivesse mau, muitos outros se queixaram da sonoridade estridente e pouco definida. Não foi o concerto impecável que um final de festival pediria.
Mas a noite ainda reservaria uma agradável surpresa, no Palco Somersby. Sofi Tukker é um duo de música electrónica sediado em Nova Iorque, e que presentou os seus ritmos e refrões contagiantes a uma das mais entusiasmadas plateias que tivemos o gosto de presenciar no festival. A caixa de samples e os pré-gravados trataram de mais de metade do espectáculo, mas as vozes, a performance teatralizada e a guitarra da vocalista principal trouxeram espontaneidade ao espectáculo. Uma surpresa dançável e explosiva na última noite do festival, que só seria encerrada pelo DJ Set de hip hop de DJ Big, que garantiria ainda – até às quatro da manhã – os últimos slots de diversão do festival.