‘Superorganism’: uma estreia colorida, contagiante e disfórica
O som fresco dos Superorganism soa a contemporâneo – característica que se coaduna com a história da qual brotou o processo artístico. O fenómeno, não sendo inédito, é novo. Resulta de um paradigma em que nos conhecemos e nos aproximamos por meio de algoritmos à escala global, potenciando a junção de ímpetos criativos devidamente alinhados. O ano passado conhecemos os Brockhampton, colectivo de hip hop composto por quase vinte elementos, cujas vidas se cruzaram em fóruns online dedicados a Kanye West; a sua trilogia Saturation, resultado de muitos inputs criativos, conquistou o público e a crítica.
É nesta escola geracional e social que se inscrevem os Superorganism, que no seu álbum homónimo se estreiam com laivos de loucura e inocência, numa sonoridade indie pop electrónica e divertida. São os próprios a apresentarem-se em “SPRORGNSM”, a faixa que reflecte o título do projecto: “A superorganism is a creature / Made up of many different individuals / Thanks to technological systems (…) / We are tied together into a single processing system”. Os oito elementos da banda – provenientes do Japão, Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido – dispersos no espaço e reunidos de forma improvável, decidem ir morar juntos para os arredores de Londres, onde dão início a uma literal residência artística, em curso há já largos meses. As gravações nascem antes de qualquer performance ao vivo, que começam a ocorrer, paulatinamente, apenas a partir de Outubro do ano passado.
É neste cenário caseiro e informal que desenvolvem as ideias, rodeando-se de uma infinidade de samples e que, sob um contracto discográfico com a Domino Records, cujos prazos de edição – segundo a opinião de alguns – terão apressado em demasia o processo. Mas a pressa não parece fazer grande mossa no resultado final. É verdade que podíamos indagar se a pressão mediática não terá atropelado o génio criativo, mas isso seria um exercício especulativo inútil – as circunstâncias ditaram, para bem da carteira (e da carreira) dos Superorganism, que o seu trabalho fosse aguardado de forma expectante, com o viral lançamento de single atrás de single.
A eventual desilusão sentida por uma parcela significativa dos fãs e da crítica acaba por ser injusta, na medida em que talvez se tenham projectado, sob o prometido trabalho, expectativas desproporcionalmente elevadas. O álbum homónimo é um conjunto coeso de faixas simples e efectivas, com refrões irresistivelmente viciantes, que se ouvem descomprometidamente e com muito gosto.
Um dos pontos fortes é o trabalho de composição. A riqueza dos temas manifesta-se de maneira predominante na produção, não na estrutura das canções; esta característica aprimora o resultado final, adequado à ambição artística do grupo, tornando-o num álbum criativamente simples – uma fórmula nem sempre alcançável com a ligeireza que aqui se manifesta. Ao contrário dos The Avalanches, por exemplo, cujo processo de colagem de som é intrincado e estudado ao milímetro, aqui reina uma contrastante simplicidade – a fórmula replica-se em boa parte das faixas.
A alternância entre o deslumbre e o desencanto pauta a identidade musical dual do projecto. A aura de aborrecimento – latente na voz de Orono, mas também no ritmo esmorecido e distópico das canções – casa com um invólucro colorido, divertido e cartoonesco. Entre os apontamentos mais frequentes, destaque para os efeitos dissonantes da frequência vocal e os silêncios abruptos ladeados de energia em estado de efusão. Os elementos coordenam-se com uma seriedade q.b. – dão sustento e corpo, sem comprometerem a divertida rebeldia que contagia todas as faixas.
A escolha dos samples é vasta – entre sons mais abstractos encontramos também referências quotidianas, como o bater de portas, uma caixa registadora, um alarme de telemóvel, travagens bruscas, ou um podcast de lifestyle. As letras – ora divagações terra-a-terra de uma adolescente da nossa década, ora próximas de um psicadelismo enigmático e impenetrável – acompanham a viagem, mas não a determinam.
“Reflections on the Screen” surge como o exercício mais melódico (e mais tradicional) de todo o álbum, aproximando-se muito da apresentação sonora de Lorde, principalmente a nível vocal. Ao mesmo tempo, é um dos momentos mais bonitos do conjunto. “Nai’s March” é, ao nível estrutural, a mais ampla das canções, com direito a uma secção central irreverente e entusiástica, precedida e seguida de melodias contidas e quase tristes. Mas como não destacar o poderoso primeiro single, alavanca de todo o sucesso, “Something for your M.I.N.D.” – assinatura do som dos Superorganism, e uma amostra significante para quem lhes quiser apalpar terreno.
A execução original da estreia dos Superorganism não compromete a sua acessibilidade, que é absoluta. Talvez falte ao álbum mais substância, substrato e as canções podem vir a acabar por sofrer rápido desgaste mediante repetidas audições. Mas, considerando aquilo que é e não aquilo que muitos queriam que fosse, o disco homónimo destes colegas de casa (que há um ano atrás não se conheciam) cumpre o seu papel de álbum dançante, pertinente e fresco. Inicia-se a longa viagem desta baleia, que não sabemos para onde nada.