‘T2 Trainspotting’ enche as medidas da nostalgia
Danny Boyle ousou voltar a mostrar-nos as vidas de Mark (Ewan McGregor), Spud (Ewen Bremmer), Sick Boy (Jonny Lee Miller) e Begbie (Robert Carlyle), que em 1996 ficaram eternizadas através do primeiro Trainspotting, baseado na obra literária de Irvine Welsh. Levemente baseado em Porno, do mesmo Welsh, vinte anos depois temos em T2 Trainspotting, um renovado e actual olhar sobre os personagens, numa ansiada sequela que tinha tudo para correr mal, mas que Danny Boyle e os seus pares souberam tornar numa agradável surpresa.
“We’re here as an act of memorial”, refere Renton a certa altura durante o filme. Simon prontamente lhe responde: “Nostalgia, that’s why you’re here. You’re a tourist in your own youth.” Não é certo que as perspectivas de Mark e Simon sejam indissociáveis uma da outra, ou – muito menos – que só uma dessas visões seja a correcta. É neste dilema “existencial” que este segundo capítulo de Trainspotting balança, e é um pouco por ambas as razões que também nós não podemos passar ao lado de um certo carinho especial a ter por ele.
Trainspotting (o primeiro) foi um filme geracional, marcante, e que, apesar de retratar o que era um pouco do Reino Unido na sua altura, não se limita espacialmente somente a isso, superando com facilidade as suas “fronteiras” e marcando invariavelmente quem o vê. É essa sensação de intemporalidade nas nossas memórias que nos leva agora ao cinema para ver o segundo capítulo dessa aventura. Mas porquê fazê-lo? Será somente pela memória ou porque temos saudades do que éramos na altura em que o vimos pela primeira vez? Qualquer uma das razões é desculpa mais que suficiente para que o façamos e para que os actores de então se juntem novamente para encerrar um capítulo deixado em aberto há mais de vinte anos atrás.
A filmagem punk e anárquica que tanto marcou o primeiro Trainspotting não tem, neste T2, a mesma energia, nem a mesma presença constante. Em vez disso, essa forma de filmar de Danny Boyle, deu lugar a uma filmagem mais sentimental, mais ponderada, nostálgica e, por consequência, mais “adulta”. Tal escolha não podia encaixar melhor no espírito deste filme. Exceptuando os momentos assumidos como revisitações ao passado, usando imagens do primeiro filme que nos ajudam a criar uma aura de satisfação e sorriso no lábio em quem revê com saudade um filme que o marcou, T2 é uma sequela apropriada para os mesmos personagens que são agora de meia-idade. O pessimismo continua a existir, as drogas também, mas tudo tem outro contexto, uma maior ponderação e, sobretudo, outras consequências na vida dos personagens.
Perdeu-se a energia, o lado punk, mas ganhou-se o saudosismo e ganhou-se uma sequela que não desaponta. T2 cumpre com o difícil fardo que era agradar aos fãs do primeiro Trainspotting sabendo, ao mesmo tempo, coexistir com o facto de se dar vinte anos mais tarde. Da parte dos actores parece que os anos não passaram pelo seu psicológico, mantendo intactos os seus maneirismos, sobretudo a personagem de Spud (mais uma vez uma demonstração fantástica do uso do corpo para a criação de humor) e Sick Boy, com o seu olhar psicopata.
No entanto, esse exercício de saudosismo parece desaproveitado em certos pontos. Uma réstia do espírito jovial e assumidamente desregrado de Trainspotting poderia ter tornado este T2 num retrato de um Reino Unido actual, mas tal nunca acontece. Só em pequenos pormenores – como o monólogo “choose life” de Renton ou a sua chegada a Edimburgo em que, para lhe dar as boas vindas, estão algumas raparigas de Leste Europeu –, vemos a coragem e ousadia para abordar assuntos fracturantes que tanto marcaram o que era o primeiro filme. O parco uso de novas temáticas acaba por tornar as duas horas de filme um pouco inconsequentes, ou, pelo menos, mal utilizadas.
Essa falta de ambição acaba por ser facilmente desculpada. T2 Trainspotting não foi feito para rivalizar com a memória de Trainspotting. Pelo contrário, este novo capítulo foi feito para o homenagear, a ele e a quem fez parte da sua produção, e isso foi conseguido com considerável sucesso não falhando nem na banda sonora que conta novamente com “Lust for Life”, ainda que remixada, como o próprio filme.