“Talking About Trees”, de Suhaib Gasmelbari: cinema de resistência
“What kind of times are these, when
To talk about trees is almost a crime
Because it implies silence about so many horrors?”
Brecht, Bertolt. To Those Born Later, 1940
Programar um festival de cinema não é apenas selecionar uma série de filmes que se julgam de qualidade. E, de facto, parece haver neste DocLisboa, uma preocupação com um fio condutor, uma ligação que se estabelece entre as obras, sejam elas mais recentes ou inseridas em retrospectivas, na forma como as narrativas são contagiadas pelas circunstâncias políticas de determinado país.
Os versos do poema de Bertolt Brecht, acima citados, dão o mote a um diálogo entre os personagens de Talking About Trees e, consequentemente, o título ao filme sudanês de Suhaib Gasmelbari, vencedor do prémio Glashütte Original – Documentary Award no Festival de Cinema de Berlim. Brecht escreveu-o enquanto se encontrava exilado, na sequência do início do Terceiro Reich. O paralelo que se cria não é, de forma alguma, inocente.
O documentário acompanha quatro sexagenários cineastas, Ibrahim Shadad, Manar Al Hilo, Suleiman Mohamed Ibrahim e Altayeb Mahdi, membros do Grupo de Cinema Sudanês, na sua tentativa de reerguer o praticamente extinto cinema do seu país. O regime de Omar al-Bashir foi responsável pelo desaparecimento da produção, arquivo e exibição cinematográfica, um apagar quase completo da 7ª arte, que vamos testemunhando juntamente com os realizadores. Desde grandes salas de cinema abandonadas a películas fílmicas resgatadas no meio de escombros.
Suhaib Gasmelbari incorpora na sua obra trechos de filmes antigos realizados pelos seus protagonistas – cuja exibição foi entretanto banida, filmes desaparecidos e miraculosamente recuperados – juntando-se ao esforço destes em preservar a memória da arte do seu país.
O filme testemunha, então, a epopeia destes cineastas que, em determinado momento, se foca em conseguir realizar uma exibição pública de um filme, numa grande sala, há décadas abandonada. O tom melancólico de Talking About Trees contrasta com o humor subtil que atravessa a obra, nas conversas e histórias que os personagens vão partilhando entre si, na encenação em tom jocoso de cenas clássicas de Hollywood, e na carismática personalidade de Ibrahim Shadad. No início do documentário, ocorre um momento paradigmático nesse sentido. Os realizadores fazem uma pequena projeção privada do Modern Times (1936), de Charlie Chaplin, e, a meio da exibição, a tela solta-se e recolhe para metade, sendo necessária a intervenção bem disposta dos cineastas.
Numa altura que a experiência em sala vai perdendo progressivamente a corrida relativamente aos serviços de streaming, o documentário traça um paralelismo interessante, quase distópico, para a sociedade ocidental, revelando uma realidade onde essa experiência deixou pura e simplesmente de existir. No final, resta um sabor agridoce, frustração conjugada com esperança, de continuar a lutar pela preservação da arte e identidade de um país, resistência em forma de cinema.