“The Brutalist”, de Brady Corbet: um épico de confrontos e de contrastes

por João Estróia Vieira,    5 Fevereiro, 2025
“The Brutalist”, de Brady Corbet: um épico de confrontos e de contrastes
“The Brutalist”, de Brady Corbet

Este artigo pode conter spoilers.

Magnum opus de Brady Corbet, “O Brutalista” apresenta-se nos cinemas portugueses não só como um dos grandes favoritos aos Óscares, mas também — e sobretudo — como um épico cinematográfico que iguala a qualidade à ambição na sua realização.

A longa-metragem/jornada de aproximadamente três horas e meia, e de um pequeno orçamento de pouco mais de dez milhões de dólares, que faz corar de vergonha todas as megalómanas obras de Hollywood, transporta-nos para a vida do arquitecto húngaro imigrado Laszlo Toth, um homem cuja trajectória profissional e pessoal se embate contra as muralhas do capitalismo e das estruturas sociopolíticas que moldam a América do pós-guerra. Magistralmente interpretado por Adrien Brody, Toth encarna a luta silenciosa do artista contra a mercantilização da sua arte e o desencanto das promessas de um novo mundo. Mais um anti-American Dream a par de “Anora” nomeado ao Óscar de Melhor Filme.

Brady Corbet, conhecido pela sua abordagem cerebral e estilisticamente rigorosa, entrega um autêntico estudo de personalidade, mais profundo e incisivo do que muitas biopics contemporâneas. Com um tom soturno e uma fotografia que reforça o peso psicológico da narrativa, o filme distancia-se do romantismo clássico desse tal “sonho americano” e oferece uma visão mais sombria (metaforicamente e literalmente) e realista do imigrante enquanto figura central de um sistema que nunca o acomoda verdadeiramente, usando-o e descartando-o a seu bel-prazer.

“The Brutalist”, de Brady Corbet

Os contrastes estabelecidos por Corbet são, aliás, a grande força do filme. O rigor brutalista do betão — ou “concrete” — como material transportador de mensagem artística “concreta” de eficiência e autenticidade, no sentido de “what you see is what you get” da arquitectura de Toth espelha a frieza dos homens que lhe oferecem oportunidades envenenadas; a grandiosidade das estruturas edificadas confronta-se com a fragilidade do protagonista e dos valores (seus e de quem o rodeia). Cada quadro é meticulosamente composto para enfatizar estas dicotomias e o trabalho de câmara sublinha a sensação de clausura e subjugação ao poder que marcam o percurso de Toth, num filme que não tem pudor em sujar as mãos pela melhor solução narrativa.

A escolha de filmar em VistaVision não é meramente estética, mas também uma ferramenta fundamental. Este formato, que utiliza um negativo maior e dispõe a película horizontalmente, confere ao filme uma resolução superior e uma clareza visual que permite capturar com maior detalhe tanto os vastos espaços arquitectónicos como as expressões subtis das personagens, criando assim uma experiência imersiva onde a grandiosidade das construções contrasta de forma poderosa com as emoções e dilemas interiores dos protagonistas. No meio disto, o filme conta ainda com uma banda sonora que amplifica a densidade emocional do filme e nos surpreende quando menos esperamos com num epílogo que abana os alicerces onde assentámos durante mais de três horas e passámos de uma música clássica para um techno italiano numa gôndola. Ousado, mas uma abordagem natural para um realizador que testa constantemente o espectador.

O elenco, para além de Brody, destaca-se pela presença de actores secundários que não só adicionam camadas ao enredo como o elevam, evitando estereótipos e reforçando o tom existencialista que permeia a narrativa. A nomeação de Felicity Jones foi especialmente comentada pelo facto de só aparecer a meio do filme. A crítica não poderia ser menos certeira. Além de metade desta obra ter a duração da maioria das outras obras, a importância de Felicity Jones como par romântico de Brody é inestimável, roubando todas as cenas em que aparece pela sua inteligência e força. Já Guy Pearce é unânime, pela sua presença constante no ecrã e pelas várias camadas da sua personagem, intercalando com Adrien Brody o protagonismo em faces opostas.

Ao recusar-se a adocicar o dilema do seu protagonista ou a transformar a sua luta num conto de triunfos fáceis, “O Brutalista” estabelece-se como um verdadeiro retrato da marginalização dentro de um sistema predador. Um filme que não só retrata a condição do imigrante num mundo que se alimenta dos seus talentos sem lhe oferecer um verdadeiro lugar e o subjuga ao poder existente (dinheiro), mas que também nos confronta com as próprias estruturas que moldam as nossas sociedades e o preço da verdadeira criação artística.

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