“The Lighthouse”, de Robert Eggers: a luz que ilumina o passado e reflecte o presente
O vencedor do prémio FIPRESCI no anterior Festival de Cannes, exibido na secção Quinzena dos Realizadores, chegou finalmente às nossas salas, apesar de já ter sido mostrado em algumas sessões e em diversos outros festivais. Mesmo antes de ver o filme, é difícil não ficar arrebatado pelo estilo áspero da fotografia de Jarin Blaschke, anterior colaborador de Robert Eggers, e cujo trabalho foi nomeado aos Óscares. Ao que se soma a promessa cumprida da dupla Willem Dafoe e Robert Pattinson. Percebe-se que Eggers desejava um filme fortemente visual, marcado pela força cromática do preto e branco, aliado ao cenário agreste e inóspito do rochedo dominado pela presença do farol, como que a simbolizar a imobilidade cercada pelo movimento marítimo.
No entanto, cedo esta jornada de um velho poeta e lobo do mar em terra firme e um jovem aprendiz evolui num registo mais ou menos previsível. Sobretudo pela vontade assumida de vincar na película uma marca de tempo, quase como se fosse um filme de época. Um ensejo tão forte que acaba por nos convocar à memória um filme de Jean Grémillon, cuja retrospectiva decorre actualmente na Cinemateca, Gardiens de Phare (1929), e que passará no próximo dia 24, também ele sobre duas personagens que, curiosamente, passam um mês de isolamento do farol.
Difícil será também ignorar a proximidade ao cinema avant garde de Jean Epstein, afinal e contas tão habitado pela proximidade do mar, bem como da forma diversa como filmou os faróis. Desde logo em Finis Terrae (Pescadores de Sargaços), de 1929, cujo ambiente sugere diversas soluções estéticas semelhantes a O Farol; ou em L’Or des Mers (1932), onde o elemento marinho funciona igualmente como personagem; por fim, os dois últimos trabalhos de Epstein, as curtas, Le Tempestaire (1947) em que trabalha a velocidade da imagem e do som de uma forma brilhante, como que acentuar a magnitude dos elementos, e ainda o documentário Les Feux de la Mer (1948), sobre faróis e guardas de faróis. Enfim, referências que nos assaltaram e que talvez não fiquem agora deslocadas.
Ultrapassadas estas referências formais e estéticas, que podem até ser confirmadas com o fácil acesso destes filmes na Internet, importa referir que Eggers procurou não sair completamente da estética fantástica do seu filme anterior A Bruxa (2015), ao tirar partido do trabalho da banda sonora que sublinha o peso dos silêncios e lhe confere essa aura de inquietação, bem como da intervenção de criaturas fantásticas e oníricas que aparecem em alguns momentos do filme. Só que essa aposta acaba por não combinar com o vincado ambiente visual e personagens que nos fazem apelo a um cinema mais clássico. A menos que esta seja uma porta de entrada para apelar a públicos mais jovens. Um risco, provavelmente, assumido. E aparentemente ganho, pelos diversos prémios que o filme tem ganho.Artigo escrito por Paulo Portugal em parceria com Insider.pt.