“The Nolan Variations”, de Tom Shone: o livro sobre Christopher Nolan que muitos esperavam

por Pedro Fernandes,    7 Janeiro, 2021
“The Nolan Variations”, de Tom Shone: o livro sobre Christopher Nolan que muitos esperavam
Capa do livro / DR
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Embora o seu nome dispense apresentações, há vários anos que os mais curiosos procuravam um livro sobre Christopher Nolan. Um dos grandes realizadores dos nossos tempos continua a ser um mistério para a maioria. Não concede muitas entrevistas e quando o faz, ouvimos um comentário intelectual sobre o filme que estiver a ser lançado nesse momento e pouco sobre ele. Existem alguns livros sobre os seus filmes com interpretações de críticos e admiradores, mas faltava um olhar íntimo sobre ele. É neste sentido, que recebemos este ano a boa noticia de que Tom Shone ia lançar um livro sobre Nolan. Falamos de um crítico e autor que já publicou vários livros sobre outros grandes realizadores como Scorsese, Tarantino ou Woody Allen, e que obviamente conhece bastante bem o mundo do cinema e a mente de um realizador. Pensei que finalmente os leitores iam ter direito ao derradeiro livro sobre Nolan.

A grande vantagem comparativa deste “The Nolan Variations: The Movies, Mysteries, and Marvels of Christopher Nolan” é a colaboração direta do próprio artista, ou seja, não é um olhar distante e meramente interpretativo. O livro conta com imensas declarações exclusivas e a divulgação de aspetos pessoais até agora desconhecidos. Tom Shone seguiu Nolan durante vários anos para conceber o presente livro, mas só agora Nolan achou que já tinha feito trabalho suficiente para este ser objeto de um livro deste tipo. 

Christopher Nolan durante as filmagens de “Dunkirk”

O livro está dividido em treze capítulos, para além da interessante introdução. Mesmo que o leitor seja quase um experto em Nolan, não demorará muito tempo até ler algo novo sobre ele, é essa a riqueza do livro, o conteúdo exclusivo. Logo na introdução temos uma espécie de trailer daquilo que será o resto do livro. Mas antes disso, diria que o livro começa na capa, em concreto a capa da edição que foi utilizada para esta análise, por parte da Faber & Faber. Vemos meio Nolan do nosso lado direito e a outra metade, mais sombria, à nossa esquerda. Desde que vi esta capa pela primeira vez, senti que algo estava certo. A foto não é linear, não sabemos ao certo se é montagem ou efeito de um espelho. Nolan está invertido e isso faz sentido. Através do texto descobrimos um lado mais pessoal de um homem que não tem nem email, nem telemóvel, está habituado a beber chá durante o dia e que é conhecido pela sua disciplina, secretismo e pontualidade. Ambicioso, afirma que sempre que trabalha num projeto novo é porque quer realizar o melhor filme alguma vez feito. Algo no qual ele precisa de acreditar para dedicar-se a cem por cento. Apaixonado por arte desde muito novo, o seu trabalho é fortemente influenciado, não só por cineastas, mas também por escritores, arquitetos, músicos ou fotógrafos. Os capítulos utilizam como título palavras que caracterizam a sua obra e em particular o filme que seja tema principal do capítulo, são elas: “estrutura”, “orientação”, “tempo”, “perceção”, “espaço”, “ilusão”, “caos”, “sonhos”, “revolução”, “emoção”, “sobrevivência”, “conhecimento” e “finais”. Acredito que o leitor mais dedicado seja capaz de adivinhar cada filme através de cada palavra. O primeiro, “estrutura” não é sobre nenhum filme em concreto, é antes uma continuação da introdução pessoal e profissional sobre o realizador. A partir de aqui, os capítulos seguem a ordem e o foco nas suas longas metragens, isto é, “orientação” é sobre Following (1998), “tempo” sobre Memento (2000) e assim sucessivamente até “conhecimento” sobre o recente Tenet (2020). O último capítulo é uma espécie de conclusão. Em cada capítulo, o autor desmonta cada filme em conjunto com o realizador, isto é, como surgiu o projeto, quais as principais influências, o porquê de certas decisões, etc. O livro é também riquíssimo em imagens, não só da filmografia de Nolan, mas também sobre várias coisas que o influenciaram no seu caminho. Embora o objetivo não seja descrever cada filme, o leitor deve ser consciente de que o livro contém spoilers, pelo qual, se não quiser ser surpreendido deverá ver todos os filmes antes de ler o livro ou deixar por ler os capítulos sobre os filmes que ainda não viu. Deixo como sugestão ao leitor mais dedicado, ouvir as bandas sonoras do filme de cada capítulo enquanto lê. Se quiser ir ainda mais longe pode rever cada filme antes ou depois do capítulo para ver com maior clareza certos pormenores.

“The Nolan Variations” é o primeiro olhar íntimo sobre um realizador misterioso que que foi uma das novas vozes que maior impacto teve na indústria nos últimos 20 anos. A presente obra é muito rica para quem quiser melhor entender de onde vêm várias das ideias mais criativas de Nolan. É muito interessante perceber como um dos artistas que mais o influenciou foi o grande escritor Argentino Jorge Luis Borges, cujos contos influenciaram personagens, histórias e até o design de certos cenários dos seus filmes. Por outro lado, se já sabíamos que Kubrick ou Hitchcock o tinham influenciado, ficamos agora a conhecer outros nomes igualmente importantes para ele como Nicolas Roeg ou Michael Mann. A referência a livros é imensa. Muitos mais exemplos poderiam ser dados, mas deixaremos isso para os futuros leitores descobrirem. Quem, como eu, queira tirar o maior proveito deste, anotando todas estas referências e citações e fazer um pouco de pesquisa, terá um bom trabalho pela frente, é um livro que exige uma certa dedicação nesse aspeto. A revelação do lado íntimo, desde a criança que usava uma pequena câmara, o jovem que vivia e ainda vive entre dois países, até ao realizador que contou com alguns dos maiores orçamentos da história do cinema, é sem dúvida outro ponto forte. A sua relação com a música e com Hans Zimmer em particular é das mais belas descrições do livro. É fascinante como a música enquanto “atalho para as emoções”, como disse uma vez Tolstoi, pode chegar a levar Nolan a inverter o processo criativo de fazer um filme começando pela música, isto é, o coração, a conceção das emoções base do filme.

Christopher Nolan durante as filmagens de “Tenet”

Ainda que o conteúdo seja exclusivo, por vezes, senti uma certa ausência do escritor a explicar ou a dar um exemplo extra, isto é, o livro está cheio de declarações exclusivas do Nolan e por vezes parece que estamos a ler uma longa entrevista sem estarem lá escritas as preguntas. Ter este conteúdo é excelente, mas acho que o escritor podia ter feito um pouco mais a explicar. Por outro lado, fica ainda muito por dizer sobre ele, como seria de esperar de uma pessoa tão reservada. Assim, o livro é mais uma cine biografia com um lado intimo, mas não a biografia derradeira do artista. Para já, é “o livro sobre o Nolan” que tanto esperávamos. Acredito que ainda teremos direitos a muitos mais filmes pelo qual, daqui a muitos anos, este texto e análise terá que ser obviamente alargado para benefício de todos. Alguns capítulos estão mais bem conseguidos do que outros, sobre tudo aqueles cujo tema principal são os filmes mais marcantes e que melhor definem os seus traços artísticos, como por exemplo Memento (2000), The Dark Knight (2008) ou Inception (2010). A conclusão deixa um pouco a desejar, creio que Tom Shone poderia ter feito melhor trabalho, resumindo as ideias e características que fazem de Nolan um realizador especial. Um tema que poderia ter sido melhor explorado é o seu entorno familiar e de que maneira isso se relaciona no seu trabalho. É conhecida a sua colaboração com o seu irmão Jonathan, aprendemos que o Pai influenciou o seu gosto musical, e aliás uma dessas influências até está presente no título da presente obra, e sabemos que a sua mulher, que nutre igualmente uma grande paixão por cinema, trabalha com ele desde os tempos da Universidade. 

Considero que valeu a pena esperar por este bom livro, cheio de conteúdo interessante para quem segue Nolan, para quem ama cinema, para quem ama arte. Ficamos com uma boa visão de um realizador apaixonado pelo que faz e que é bastante completo, gostando de trabalhar em todos os aspetos do seu ofício. Um realizador é muito mais do que um artista com uma visão, veste também o papel de um gestor de um projeto que envolve um orçamento, prazos a cumprir e muitas pessoas à sua volta para liderar. Como nota final deixo uma das minhas citações preferidas do livro, vinda do próprio Christopher Nolan: “Directing is a job where you have to know a bit of everything, jack-of-all-trades and master of none. I know that I never had the dedication or the talent to be a musician, but I’m musically inclined and I know how to use that in my work. Similarly, I could write a screenplay, but I don’t think I could write a novel. I can draw a picture, but not well enough to be a storyboard artist. I’m passionate fan of other filmmakers, and a great believer in the job of directing. I think it’s a great job, but it’s like being a conductor, not a soloist”.

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