“The Red Suitcase”, de Cyrus Neshvad, estreia em Portugal no Leiria Film Festival
Este artigo pode conter spoilers.
O festival de cinema decorrerá, entre os dias 10 e 15 de maio. A 10.ª edição do Leiria Film Festival e a programação traz novidades nacionais e internacionais e a seleção oficial do evento conta com um total de 55 filmes, entre os quais, 14 estreias nacionais, 2 europeias e 6 estreias mundiais.
Entre os oito selecionados para a Competição Internacional, encontra-se “The Red Suitcase”, uma curta-metragem de Cyrus Neshvad, nomeada ao Óscar de Melhor Curta-Metragem Live-Action, que acompanha a chegada de uma jovem iraniana ao aeroporto do Luxemburgo.
São quase 00h:30 no aeroporto do Luxemburgo, um pequeno trolley vermelho circula nos tapetes, é a única bagagem de porão restante. Em pé, estática, com uma expressão de pânico e indecisão, uma jovem, trajada com uma hijabe, aguarda em silêncio. O seu nome é Ariane, tem 16 anos e, como descobrimos mais tarde, tem um grande talento para a ilustração e para a pintura. À entrada do aeroporto, quem a espera não é a sua família, mas antes o seu pretendente, um homem mais velho, prometido por um casamento combinado entre famílias. Nesse momento, compreendemos a apreensão e a relutância em sair da zona de “chegadas”.
Para passar despercebida aos olhos do seu prometido marido, Ariane libertar-se-á da hijabe, mas existe algo que a compromete: a sua mala vermelha. Acompanhamos a jovem protagonista enquanto ela tenta escapar ao reconhecimento do seu futuro marido que, cansado e enfurecido, a procura incansavelmente e assistimos, assim, a como essa busca se acaba por tornar numa perseguição.
Este pequeno-grande filme serve-se de um dos princípios mais fundamentais do cinema de Hitchcock para estender um fragmento de “ficção” à dimensão dramática de uma longa-metragem. Diria o mestre britânico que, para que uma cena de suspense perdure mais do que a sua própria duração, é fundamental dar ao espectador um conhecimento superior — saber que uma bomba se encontra debaixo da mesa de jantar, torna uma refeição monótona numa experiência inquietante. Nesta curta, Neshvad serve-se dessa dilatação do tempo hitchcockiana para expor uma realidade social iminente através de uma tensão cinematográfica pulsante. Sabemos que Ariane terá que casar com um homem mais velho contra a sua vontade, que teme o futuro e, agora, as consequências de ter tentado escapar, sabemos, ainda, que ambiciona algo melhor para a sua vida, ou, pelo menos, que espera poder continuar a trabalhar na sua arte. Desta forma, o realizador serve-se das convenções do género narrativo, da encenação e do ritmo de um thriller para tentar retratar o sentimento de opressão das mulheres do Irão. “Não o fiz [o filme] por glória, fi-lo para chamar a atenção sobre este tema.”, refere o realizador em muitas das entrevistas que realizou após ter sido nomeado ao Óscar.
Poucas são as falas da protagonista, pois, tratando-se de uma curta-metragem, o filme atinge-nos através da ação e não tanto pela exposição discursiva. Contudo, a jovem atriz, Nawelle Evad, parece apelar-nos pelo do olhar, através de um autêntico monólogo sobre opressão e justiça social. No seu semblante, existe a inocência, o terror, a vontade, a coragem, o ceticismo e a astúcia, muitas vezes, em simultâneo. Uma performance onde é possível encontrar o derradeiro mote “show don’t tell” na expressão, ora carregada e audaz, ora ligeira e subtil, de uma atriz promissora.
O final da curta, que tanto possui de pertinente, quanto de perturbador, deixa uma mensagem universal e recorda que a opressão das mulheres não ocorre, somente, no Irão e que, mesmo no mundo ocidental, a figura feminina continua a servir um (des)propósito.
Através da ambiguidade de um falso sorriso, da dor e do medo, escondidos à vista de todos, Neshvad aponta o dedo ao male gaze e ao controlo capitalista que, ao contrário deste breve filme, prezam a forma, mais que o conteúdo. O realizador deixa-nos um caminho, para percorrermos com a jovem protagonista e dá início um novo debate: até que ponto somos realmente livres se, por negligência ou convicção, optarmos por não ver as amarras que nos subjugam a todos, ainda que por formas diferentes?
“The Red Suitcase” é uma das estreias a não perder no Leiria Film Festival. Para mais informações sobre a programação e a Seleção Oficial é possível consultar a lista de filmes no site oficial do festival.