‘The Sciences’: os Sleep colocam a espiritualidade e a marijuana no centro do universo
AVISO: este álbum deve ser consumido com moderação.
Ninguém esperava, mas eis que a melhor notícia do 4/20 (four-twenty) acabou por chegar. Os Sleep editaram The Sciences, quinze anos depois do lançamento de Dopesmoker. Em 2003, surpreenderam a crítica e a própria editora quando apresentaram a faixa-álbum de 63 minutos, uma viagem terapêutica, recheada de riffs pesados e lentos. Uma jornada de bongadas por um deserto escaldante. Ao longo da última década e meia, o trio dividiu-se pelos seus projectos paralelos (OM e High On Fire); no entanto, o ano passado já tinha sido marcado pela edição do single “The Clarity”. 2018 marca o regresso aos álbuns, desta que é uma instituição ímpar da cena stoner rock.
The Sciences prova que a banda californiana não se desliga da sua principal influência: a erva. Muita erva. Para que não existam dúvidas, Al Cisneros, Matt Pike e Chris Haikus fazem questão de nos aconselhar em “Giza Butler”: “Marijuana is his light and his salvation / Harvest sustains the altitude within”. Não existe mudança no estilo: os Sleep continuam barulhentos e vagarosos. As secções rítmicas marcam compassos certeiros, arrastados devagar por terras ardentes, onde correm brisas aromáticas. Não se podia esperar o contrário dos embaixadores musicais do consumo (i)legal de marijuana.
São seis faixas, cerca de 52 minutos, que mantêm o legado dos Sleep ligado à corrente. Ainda nos estamos a compor da introdução homónima do disco, quando “Marijuanaut’s Theme” se despenha nos nossos ouvidos, numa erupção massiva de riffs sem aviso prévio, por cima das linhas de baixo infindáveis, catapultas de solos estridentes e volumosos. O álbum flui tema a tema, mantendo uma sonoridade e consistência próxima do antecessor, Dopesmoker. “Antarcticans Thawed” parece perder-se no tempo, embrulha-se em afinações diferentes, mas alcança o clímax; desdobra-se (mais uma vez) em solos, acordes corpulentos, linhas de percussão brutas, porém, de balanços pausados.
Nesta produção existe uma determinada percepção espiritual, bastante acentuada pelas entoações de Al Cisneros. No decorrer de “Sonic Titan”, o baixista e vocalista assume-se quase messiânico, adoptando uma postura vocal tão mística, poderosa e resolvida – como aliás se costuma apresentar com os OM – tornando o disco uma profecia que decidiu encabeçar. A espiritualidade também paira em “Giza Butler”, que culmina em agradecimento: “Bless the indica fields / Grateful for the yield” (numa referência a um tipo de canábis mais relaxante).
Al Cisneros e Matt Pike – inevitavelmente as duas figuras centrais da banda – vêm de mundos diferentes, mas conseguem encontrar-se e criar sonoridades icónicas que, desde sempre, caracterizam os Sleep. As posturas, que à partida seriam antagónicas, complementam-se e transpõem-se para as composições: entre o misticismo e contos transcendentes de Cisneros e a electricidade tão física e rude da guitarra de Pike.
O novo álbum de estúdio é o quinto capítulo de uma odisseia que se tem afastado cada vez mais do nosso planeta, atingindo dimensões espaciais. The Sciences possui novamente um carácter explicativo e didáctico, transmitindo-nos qual é o ritmo certo para o consumo de marijuana. Os Sleep não se desviaram da rota iniciada em 1991, com Volume One, e consolidada em 1992, com Holy Mountain. The Sciences editado pela Third Man Records, de Jack White, resulta numa caminhada de quase três décadas e estabelece a banda como símbolo espiritual do rock.