Tilda Swinton: “A Netflix foi o único estúdio que aprovou o projeto ‘Okja’”
A atriz de Snowpiercer e Okja explica a sua relação especial com o cineasta Boon Joon Ho e como encara o futuro da distribuição com a entrada em cena da Netflix e Amazon.
A britânica Tilda Swinton até pode ter nascido em Londres, mas a sua voz tem sido tão ativa na defesa da distribuição de Okja pela Netflix como a repudiar o Brexit. Depois de uma breve participação no recente Máquina de Guerra, um outro filme também com a chancela da Netflix, beneficiando do apoio da produtora Plan B, de Brad Pitt, miss Swinton defendeu em Cannes este projeto que passou a ser exibido, desde o passado dia 29, na rede de streaming Netflix.
Enquanto esperamos pela sua prestação no remake de Suspiria, o clássico de terror de Dario Argento, agora na versão do italiano Luca Guadagnino, um dos cineastas italianos mais talentosos, valerá a pena descobrir o trabalho em que se assume como a CEO da multinacional que decide acabar com a forma no mundo ao produzir em larga escala uma espécie de super porcos suculentos criados a partir de modificações genéticas.
Participou neste projeto também enquanto produtora. Era para si importante ter esse tipo de controlo?
Não se trata de uma questão de controlo, é mais uma questão de representar de uma forma mais rigorosa a minha posição com o realizador. Trabalhei grande parte da minha vida com ligação e apoio a diversos realizadores. Ser produtora neste caso foi algo que se tonou lógico para mim, já que estou com este realizador deste o início do projeto e da sua conceptualização. Tem sido uma longa jornada até chegar aos ecrãs. Por isso, não tem a ver com controlo, mas com o limpar o espaço em redor do realizador para que possa ser quem é.
Trabalhou com diversos cineastas e foi mesmo amiga de alguns deles. Como descreveria a sua ligação com o Bong?
Conhecemo-nos aqui em Cannes, há alguns anos. Ele estava no júri e eu vim com o Temos de Falar Sobre Kevin (2011). Tomámos um pequeno almoço juntos e ficámos amigos. Entretanto decidimos trabalhar juntos. O resultado acabou por ser Snowpiercer (Expresso do Amanhã). E agora Okja. Hoje, o Bong é um bom amigo. Gostamos bastante de trabalhar em conjunto. E estamos mesmo a pensar em novos projetos em conjunto.
Quando procura realizadores para trabalhar que tipo de qualidades espera encontrar?
Acho que a amizade vira em primeiro lugar. Talvez porque tenha começado na profissão de uma forma pouco ortodoxa, quase amadora. Em particular com o Derek Jarman, com quem trabalhei durante nove anos. Era tudo um ambiente muito familiar. Tudo veio abaixo quando ele morreu em 1994, mas nessa altura eu já estava formada. Nessa altura estava mesmo preparada a não trabalhar com mais ninguém se não fosse nessa base de amizade. Felizmente, outras pessoas quiseram trabalhar desse modo. Por isso, digo que a amizade vem primeiro, ocasionalmente, claro, há exceções.
É verdade que o imagem de Okja foi inspirada num dos seus cães?
Inicialmente, o Okja saiu da cabeça de Bong. Mas, na verdade, uma das musas foi um dos meus cães, a Rosie.
Tem uma relação muito próxima com os seus animais?
Não os vejo apenas como animais. Nós somos uma família larga de não-humanos. Toda a minha vida vivi junto de animais.
A Tilda é vegetariana?
Na verdade, normalmente não como carne. Mas direi que vivo num lugar onde é muito fácil encontrar carne de animais selvagens ou que sabemos de onde vem, como foi morta. Por isso, se comer carne será de animais selvagens. Algo que é muito difícil de fazer na cidade.
Acha que a entrada em cena destas novas companhias (Netflix e Amazon) poderá alterar as regras do jogo? Será uma mudança para melhor?
Temos de acreditar que será para melhor. Qual é a alternativa? Por isso temos de assegurar-nos que o debate é importante. Okja é um filme de autor, apesar do realizador Bong Joon Ho o ter levado a todos os outros grandes estúdios e todos o recusaram. A Netflix foi o único estúdio que aprovou este projecto. Não só disseram que sim, como garantiram que poderia fazer o que quisesse.
Entristece-a que o filme não seja visto num grande ecrã?
Mas ele será visto num grande ecrã! Em diversos países. Por exemplo, terá uma distribuição grande na Coreia, maior que muitos filmes que entram diretamente para os cinemas. Sugeria até que observássemos este espaço, na medida em que estes estúdios, Netflix e Amazon, lidam com os nossos pedidos para os filmes sejam exibidos no cinema. Acho que vamos encontrar um modo em que tudo irá acontecer da melhor maneira.
Como produtora, tem outros planos para trabalhar com a Netflix?
Por sinal, trabalhei com a Netflix num outro filme, do David Michod, War Machine, com o Brad Pitt. Um filme muito interessante de um outro cineasta que a Netflix apoiou. Não tenho mais nada em particular, mas tenho um diálogo muito aberto com eles.
De que forma o seu trabalho com Derek Jarman, mas também Sally Potter e essa personagem de Orlando lhe permitiu afirmar-se na atriz versátil que conhecemos?
Tanto com Jarman como com Sally Potter conseguir ter uma discussão bastante aberta. Muitas vezes estávamos mais interessados no entusiasmo do trabalho que esquecemos o produto final. Eu comecei a trabalhar com o Derek Jarman, em 1985, com Caravaggio, e colaboramos até 1994. Às vezes, os filmes eram muito mal recebidos, mas nós não queríamos saber. Não nos interessava o dinheiro, apenas o trabalho. Esse foi um ritmo que eu assimilei.
Este filme pertence a uma comunidade internacional, mas como se sente ao ver o seu país a sair dessa comunidade? Ou o seu país é a Escócia?
O meu país não está interessado em abandonar quem quer que seja! O meu país é um animal bastante coletivo. A Inglaterra terá o seu problema para resolver.
Entrevista de Paulo Portugal, publicada no nosso parceiro Insider Film