Trabalhadoras do turismo alvo de discriminação de género
Bullying por parte de supervisores na altura da gravidez e da licença de maternidade e salários mais baixos do que os colegas homens são ainda motivo de queixa das trabalhadoras do sector do turismo. A conclusão é de um estudo da Universidade de Aveiro (UA) que aponta a discriminação de género como uma realidade ainda presente na indústria do turismo.
O setor contribui direta e indiretamente para mais de 20 por cento do emprego gerado em Portugal. Apesar de a maior parte destes postos de trabalho serem ocupados por mulheres, este é um setor ainda marcado por profundas desigualdades entre mulheres e homens. Esta é uma situação para a qual um conjunto de estudos da UA tem vindo a chamar a atenção ao longo dos últimos anos. Menores oportunidades de progressão na carreira para as mulheres, a par com salários mais baixos, bem como discriminação na altura da gravidez e da licença de maternidade são realidades que ainda não são alheias ao setor do turismo.
O mais recente destes estudos foi realizado por Inês Carvalho, da Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP) da UA. O trabalho, que envolveu a análise de bases de dados relativas a todos os trabalhadores do setor privado e 24 entrevistas a mulheres com cargos de topo na indústria do turismo e de vários pontos do país, revela que, apesar da “renitência em utilizarem o termo discriminação de género e afastarem-se com isso de discursos de vitimização, a quase totalidade das entrevistadas reconhece situações de desigualdade de género no setor”.
Cerca de um quarto das entrevistadas experienciou situações de discriminação direta, tais como bullying por superiores hierárquicos na altura da gravidez e da licença de maternidade ou salários mais baixos relativamente aos colegas homens apenas por serem mulheres. Para além disso, revela a investigadora Inês Carvalho, “cerca de dois terços destas mulheres experienciou situações de discriminação indireta, um tipo de discriminação mais difícil de identificar porque na maior parte dos casos não é interpretada como discriminação a sério”. Inês Carvalho acrescenta ainda que “o facto de a discriminação indireta ser subtil e muitas vezes não intencional faz com que se perpetue”.
Tal acontece, explica Inês Carvalho, investigadora da Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP) e docente na Universidade Europeia, “porque há determinados comportamentos e preconceitos que estão de tal forma enraizados na nossa sociedade, que acabam por ser normalizados e aceites”. Preconceitos que passam, por exemplo, pela ideia de as mulheres “serem consideradas menos competentes do que os homens para determinadas funções até que provem o contrário” ou “as suas opiniões não serem ouvidas em negociações importantes”.
Os alicerces das desigualdades
O estudo sugere a existência de três aspetos nos quais as desigualdades nas organizações ligadas ao turismo estão alicerçadas. Em primeiro lugar, “há uma ideia de que as mulheres são primordialmente mães, independentemente de serem mães, ainda não serem ou nunca virem a ser”. Num mundo organizacional onde o funcionário ideal é aquele que está sempre disponível e não tem mais nenhum compromisso para além do trabalho, explica Inês Carvalho, “é o estereótipo do trabalhador do sexo masculino que mais se aproxima desse ideal”. Uma ideia que se agrava ainda mais no setor do turismo, em que os hotéis estão abertos 24 horas por dia e as agências de viagens têm de lidar com clientes e fornecedores em fusos horários diferentes.
Em segundo lugar, aponta o estudo, as mulheres são ainda vistas como menos competentes do que os homens para determinadas funções, nomeadamente para cargos de chefia. Assim sendo, “as mulheres sentem que têm de prestar provas adicionais para estarem em pé de igualdade com os seus colegas do sexo masculino”. É por essa razão que “a educação é valorizada por muitas mulheres como um trunfo ou prova adicional da sua competência”.
Por fim, o preconceito de que as mulheres não são adequadas para cargos de topo é reforçado pela preferência dos homens em lidar com outros homens, entre os quais é normal estabelecerem-se redes informais de contacto fora do local de trabalho.
A investigadora aponta que “nem sempre são os homens que ativamente excluem as mulheres deste tipo de socialização, mas são os horários e contextos em que estes contactos são estabelecidos que colocam barreiras à participação das mulheres”, quer seja porque ainda são as mulheres quem mais fica em casa a tomar conta dos filhos após o horário de trabalho, quer seja porque este tipo de socialização fora do horário de trabalho com colegas maioritariamente do sexo masculino “não é visto com bons olhos pelos respetivos maridos ou parceiros”.
Assim sendo, conclui o estudo, “muitas das entrevistadas descreveram as organizações em que trabalham como locais em que, apesar de não haver discriminação intencional (embora em alguns haja), é mais fácil ser homem do que ser mulher”.
O trabalho de Doutoramento de Inês Carvalho foi realizado depois da investigadora ter colaborado no Projeto Gentour, um projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e que esteve em curso mais de meia década no Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo da UA.