Trabalhe no conforto do seu lar
“Working hard is very important. You’re not going to get anywhere without working extremely hard.”
— George Lucas
Estamos a viver tempos estranhos. A pandemia COVID-19 traz consequências para todas as esferas da nossa vida. Se antes já estávamos longe uns dos outros, agora estamos ainda mais. Recordo as palavras de Byung-Chul Han (2010): “A sociedade de produção, produz um cansaço individual, um cansaço que separa e isola.”. Hoje não cumprimentamos amigos e pessoas de quem gostamos, não vemos a face de outros na rua e não estamos a menos de dois metros de outra pessoa. A produção já isola, a pandemia de mãos dadas com a produção isola ainda mais. Se antes já estávamos com o olhar fixo ao ecrã dos smartphones, actualmente só nos vemos e mantemos a maioria das relações interpessoais através dele. E o trabalho segue o mesmo rumo: olhar fixo na tela.
Teletrabalho, a imagem em que trabalhar no conforto de nossa casa é o melhor. Será? O teletrabalho não é uma forma nova de trabalho, todavia devido à pandemia é cada vez mais praticada. A crise da COVID-19 demonstra como esta forma de trabalho tem sido utilizada pelas entidades empregadoras de forma a garantir segurança aos seus funcionários. Por um lado, considera-se que esta forma de trabalho traz consequências positivas e facilita a flexibilidade e um forte equilíbrio trabalho-família (consultar aqui). Por outro lado, é referido na literatura que o teletrabalho em contexto de COVID-19 está associado a fadiga por parte dos trabalhadores (consultar aqui).
Surgem-me várias questões: Como conseguir no mesmo espaço criar um lugar de trabalho, de lazer e de descanso? Será fácil? Como gerir relações familiares e pessoais com várias pessoas a trabalhar na mesma casa? E estando à distância de um click do trabalho, como é definido o horário de trabalho? Parece-me que vivemos num tempo onde vários direitos e deveres foram e são impactados. Há quem tenha menos direito a férias e há quem não tenha definido um máximo de horas de trabalho diário. Será o teletrabalho uma forma de trabalho precário?
Em 2019 realizei uma investigação onde o objectivo foi perceber qual era a relação entre precariedade do trabalho e bem-estar psicológico numa amostra de trabalhadores Portugueses. Recordo que o trabalho precário é definido por indivíduos que exerçam um trabalho com privação económica, direitos de trabalho limitados, baixa protecção social, insegurança no trabalho e ainda que tenham um contracto de curta duração. Este cenário soa-te familiar?
No estudo que realizei recolhi informação que me leva a crer que a forma de trabalho anteriormente referida apresenta consequências negativas no bem-estar psicológico. Verifiquei também que a motivação e o significado do trabalho influenciam o impacto que a precariedade do trabalho apresenta no bem-estar psicológico. O que é que estes dados nos dizem? Através de intervenções na motivação e no significado do trabalho é possível aumentar os valores de bem-estar psicológico em trabalhadores precários. Para existirem intervenções na motivação e no significado do trabalho é necessário um compromisso e investimento da empresa (entidade empregadora) e também do trabalhador. Porém, parece-me que continuamos a caminhar para um lugar onde isto não parece importante.
O papel do trabalho na vida do ser humano expressa-se de diversas formas. Para alguns é o centro da sua vida, para outros é apenas um meio para atingir um fim. Para alguns é estruturante (dá sentido e propósito de vida) e para outros não o é. Durante o confinamento há quem tenha gostado de não trabalhar e há quem tenha detestado. Há quem tenha referido menor bem-estar psicológico por não trabalhar. Por outro lado, há quem tenha trabalhado tanto durante o confinamento, sem horários estabelecidos, que os níveis de ansiedade e stress aumentaram. É referido na literatura que uma conectividade excessiva (isto é, estar sempre disponível a trabalhar através do computador) está associada a um aumento da fadiga psíquica, cuja recuperação, é muito mais lenta e complexa do que a fadiga física (Hazan, 2013 citado aqui). Estamos no conforto do nosso lar, mas exaustos. Não será contraditório?
Trago para reflexão este tema por considerar necessário estarmos atentos e fomentarmos espírito crítico. Devemos trazer para espaço de debate os impactos que esta nova realidade traz para a nossa vida e para o nosso trabalho. É importante reconhecer as consequências físicas e psíquicas do trabalho. Não devem ser desconsideradas as normas de saúde e de segurança do trabalho, sejam de caracter ergonómico, sejam da esfera psíquica e social. Devemos poder desconectarmo-nos e não estarmos sempre disponíveis à distância de um click. O precariado prevalece numa onda em crescimento: inseguros, tensos, subempregados, subexplorados e alienados em relação ao nosso trabalho (Standing, 2011) seja no escritório ou no sofá. O precariado está à frente dos meus olhos, está à frente dos teus olhos. Estará também neste ecrã?