‘Trinitá’, a aclamação dos génios de Terence Hill e Bud Spencer
Os italianos criaram algumas das obras cinematográficas mais importantes e geniais de sempre, esse facto é irrefutável. No meio de obras de qualidade técnica e narrativa ímpares, que deixaram marcas no cinema até aos dias de hoje (Fellini, Antonioni, Pasolini, Leone, Corbucci, entre outros), houve um género que foi explorado por vários realizadores, e é marca característica do cinema italiano dos anos 50 – 70, o Western Spaghetti. Este género catapultou para a fama actores como Clint Eastwood, Claudia Cardinale, Klaus Kinski, Lee Van Cleef, Franco Nero e Terence Hill e Bud Spencer, os dois actores ligados ao subgénero cómico dos Western Spaghettis.
Enzo Barboni criou em 1970 o personagem intitulado de Trinitá, uma mistura entre galã dos tempos antigos, com uns olhos azuis de derreter corações, com um vilão moderno, com uma inteligência fora de comum. Para seu parceiro, Barboni aplicou a regra de Laurel & Hardy, e replicou a dupla nos seus personagens, criando assim também Bambino, interpretado por Bud Spencer.
Se os Western Spaghettis possuíam já a característica de exagerarem os clichés criados pelos Westerns americanos, Trinitá foi ainda mais longe, revolucionando o género e tornando-o uma comédia sagaz, inteligente e com uma qualidade técnica brilhante, algo que seria ainda mais apurado com a obra “My Name is Nobody” (1973), de Tonino Valerii, com Terence Hill a voltar ao seu papel, e Henry Fonda a contrastar em seriedade.
A história de Trinitá é simples, mas a forma como Enzo Barboni entrelaça os seus dois personagens principais na narrativa é, sem dúvida, o ponto alto de todo o filme. Terence Hill é um ladrão preguiçoso, que, após uma longa viagem, encontra o seu irmão, um ladrão de cavalos famoso como Sheriff de uma pequena vila. A história vai oscilando entre uma luta pelo bem e o mal, sempre contrapondo os dois irmãos, um com sede do bem, e outro com sede do mal. A forma como Terence Hill e Bud Spencer encaixam nos seus personagens e criam a sua relação é praticamente orgânica, algo quase impossível de replicar com outra dupla. A seriedade e brutalidade de Spencer, aliadas à calma e preguiça de Terence dão um ar cómico ao filme, mas a sua qualidade técnica, principalmente a nível da fotografia e determinados planos, dá-lhe um carácter mais sério.
Enzo Barboni criou uma das duplas mais icónicas de sempre no cinema, embora o próprio realizador não seja muito conhecido fora do meio. O italiano fez um trabalho distinto de todos os outros realizadores de Western Spaghettis, ao criar uma nova fórmula de humor dentro de um género tão sério quanto o Western, género esse que, na América, servia para vangloriar e elevar os feitos de uma nação, ao invés de satirizar elementos de uma cultura, como Itália fez.
“Trinitá” não é uma obra prima e tem diversas lacunas a nível de argumento. Apesar dos dois personagens geniais, tudo circula à sua volta, criando limitações para a narrativa explodir e ir mais além. Os aspectos técnicos são bastante bons, assim como a banda sonora, desta vez da autoria de Franco Micalizzi, ao invés de Ennio Morricone. Um filme que vale pelos seus personagens e pela importância que estes tiveram no cinema que se seguiu.