“Tudo Sobre a Minha Mãe”: o poder da feminilidade
Daniel Gorjão traz aos palcos portugueses uma versão do filme de Pedro Almodóvar, homenageando o amor, pedra angular de qualquer família.
No momento em que assiste à morte do filho, no dia em que este completaria 17 anos, a face de Manuela contorce-se de dor, incredulidade e impotência. Como se o carro que deitou o rapaz ao chão tivesse continuado em frente e, com a mesma brutalidade, atropelado, imediatamente de seguida, o coração da mãe.
A dor de Manuela chega à plateia aumentada em tamanho e intensidade através de um vídeo projetado em tempo real na parede branca que serve de cenário à versão de Tudo Sobre a Minha Mãe, texto de Samuel Adamson, a partir do filme de Pedro Almodóvar, que o encenador Daniel Gorjão traz, em janeiro, aos palcos portugueses.
O objetivo é “encenar para a luz”, explica Daniel Gorjão. “A exposição íntima de cada personagem foi o critério de escolha para as imagens de vídeo”, que prestam um tributo ao cinema, “numa história que originalmente homenageia o teatro”.
Tal como no filme, a peça encenada por Gorjão apresenta-nos Manuela, uma enfermeira, mãe solteira, que, após a morte do filho, decide largar tudo e procurar o pai do rapaz, personagem envolta em mistério desde a primeira cena. Ao fazê-lo, regressa, não só a Barcelona, como ao passado, a memórias, amizades e perguntas sem resposta que, durante anos, deixaram feridas abertas. A tentativa de sarar as mágoas leva a enfermeira a uma série de encontros e reencontros com personagens que, tal como Manuela, vão vendo, ao longo da peça, as suas emoções mais viscerais aumentadas e projetadas no cenário branco, praticamente despido de adereços.
No palco, como na vida, cruzam-se histórias e abre-se espaço a uma reflexão sobre as questões de género, o poder da feminilidade, a definição de amor incondicional e o significado da palavra família, nas palavras de Gorjão “uma cápsula de afetos”. Maria João Luís, Sílvia Filipe, Catarina Wallenstein, Gaya de Medeiros e Teresa Tavares encarnam de forma verdadeira mulheres cis, trans, ricas, pobres, mães de família, freiras, artistas e prostitutas. A vulnerabilidade da interpretação, catalisador de uma exposição íntima das próprias atrizes, tem o poder de tornar presentes sobre o palco vários tipos de mulher, de feminilidade e de amor.
São Luiz Teatro Municipal, Lisboa > 11-22 jan > Teatro Campo Alegre, Porto > 27-29 jan