Um “terramoto” no encerramento do Douro Rock

por Magda Cruz,    13 Agosto, 2019
Um “terramoto” no encerramento do Douro Rock
Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

 

O segundo dia do Douro Rock recebeu Keep Razors Sharp, Mão Morta, Dead Combo e Jorge Palma. O dia de abertura do festival foi marcado pela intimidade artista-público, o dia da despedida trouxe muito mais “peso” para o Peso da Régua.

Está na hora do primeiro concerto do dia. Ouve-se uma malha de guitarra elétrica, que começa suave e que vai adensando. O som funciona como um chamamento para que as pessoas se juntem perto do palco. Funciona. Estão reunidas todas as condições para os Keep Razors Sharp atuarem. Cantam em inglês, mas vale a pena relembrar que todas as bandas do Douro são “made in” Portugal.

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

O estilo indie rock conquista com grande facilidade. Cada um dos quatro membros da banda tem origem numa banda diferente, uma curiosidade que em nada afeta a atuação que mostrou o mais recente álbum, “Overcome”, mas também o primeiro álbum de estúdio – o homónimo Keep Razors Sharp, de 2014.

“Como é, Douro, tá’se bem?”, pergunta Afonso, uma das vozes da banda. Olhamos em volta: poucas cabeças não abanam ao ritmo do alucinante da bateria e das guitarras. Isto ao ponto de levantar preocupações de saúde. “Já me dói o pescoço”, diz um homem por entre o público para a mulher ao lado. Ambos riem, ambos continuam a abanar a cabeça.  

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

Mais à frente do recinto, uma senhora estica uma manta no chão. Um senhor acaba de conseguir alcançar a criança que corria, feliz da vida, e trá-la para a manta. Os adultos querem aproveitar a música e a criança, com os seus cinco ou seis anos, também veio. Aquela que supomos ser a mãe põe uns grandes headfones ao filho. São os “sacríficos” de querer ver Afonso, Rai, Bráulio e Bibi a tocar, por exemplo, a música “By the sea”, “que podia ser by the river se tivesse sido escrita aqui”, brinca Afonso.

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

Os segundos a subir a palco são os Dead Combo. Voltariam a atuar naquela noite, junto de Jorge Palma, mas por agora o público fazia check in no “Odeon Hotel”, um álbum de 2018.

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

A banda formada pela parelha Pedro Gonçalves (o “undertaker”, o cangalheiro) e Tó Trips (o “gansgter” dos Dead Combo, que, com o seu chapéu não nos deixa ver os olhos) nasceu em 2003. Mas “os do costume” não estiveram sozinhos. No palco couberam músicos convidados para o contrabaixo, saxofone, teclas e bateria. Os Dead Combo alimentam o público com rock, fado, jazz, ritmos sul-americanos e blues – uma combinação que compõe o novo álbum de maneira coesa e “sem barreiras linguísticas”. 

São “A Bunch of Meninos” de uma “Lisboa Mulata” a cumprir 15 anos de carreira, que pela primeira vez vêm até Peso da Régua. Assim, como se tratava de um ambiente de primeiras vezes, chega aos ouvidos do público o primeiro single deste novo álbum – “Deus me dê grana”. O baixo pulsa aos nossos ouvidos e regressa a ideia de que, com estas bandas, no Douro Rock podia começar um terramoto. A certo ponto, o recinto recebe “Mr. & Mrs. Eleven”, que nada dizem – os Dead Combo são uma banda essencialmente instrumental – mas que conversam à medida a que cada um dos diferentes instrumentos se vai sobressaindo, como que ganhando corpo. 

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

Entretanto chuvisca. Ninguém se importa – nem a criança na manta, que continua felicíssima. “Pedro Gonçalves, és o maior!”, grita um logo no início do concerto um fãs que se instalou na frontline, “Agora toquem a do Zé.” Os Combo tinham previsto fazer as vontades do público e tocam a música dedicada a Zé Pedro, guitarrista dos Xutos & Pontapés, que faleceu no ano passado. O palco recebe uma chamada: “Hello, I called you before. My name is The Egyptian Magician.” – é um trecho dos The Jerky Boys, que Zé Pedro incluía nas coletâneas que gravava e oferecia aos amigos. É com a música “The Egyptian Magician” que a banda diz “obrigado” a Zé. 

As baquetas de Alexandre Frazão voaram, as cordas do contrabaixo de António Quintino iam pegando fogo e João Cabrita gastou o fôlego no saxofone. Mais para o fim do concerto, o duo dinâmico tem o seu momento e tocam “Faduncho”, com as luzes apontadas para os dois que, frente a frente, comunicavam com as guitarras. Essa conversa melancólica que saúda Portugal tem continuação no tema “Povo Que Cais Descalço”, no fim da noite, já com Jorge Palma ao piano. Com fogo de artifício a acompanhar as músicas, do outro lado da margem do Douro, já em Viseu, os Combo contam a história de “dois tipos do jazz, no cais Sodré, que entram num bar e encontram dois marinheiros de New Castle” – é a “Lusitânia Playboys”. 

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

Até já, Dead Combo. Pelo meu relógio são horas não de matar, mas de Mão Morta. Olá. Há quanto tempor…já passaram 26 anos desde que aqui tocaram. Entre o público comenta-se a idade que, naturalmente, passou pelos artistas. 

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

Podíamos achar que o terramoto não teve fim, mas quem conhece os Mão Morta sabe o que vem aí. Peso da Régua é atingido por várias réplicas do terramoto que não se conseguem quantificar por nenhuma escala. Em setembro, a banda edita um novo disco e é com uma nova música que abre o concerto. “Módulo VII – Deflagram Clarões de Luz” é um dos temas que fazem parte do álbum “No Fim Era o Frio” disponível a 27 de setembro.  

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

O concerto começa com Adolfo Luxúria, o vocalista, a contar uma história: o nível do mar sobe, as pessoas veem-se obrigada a fugir para as montanhas, os extraterrestres nunca chegam a vir ajudar. “Isto vai ser sempre assim?”, pergunta uma festivaleira. “É metade, metade. Ele já canta”, explica o amigo. Adolfo mexe-se como zombie nesta noite “sempre a Rock n’ Rollar”, mas é rápido a descer para cumprimentar o público. Na frente há fãs no mínimo fervorosos, que decerto acompanham a banda nos seus 35 anos de existência. Eles apreciam a música, mas não parecem respeitar os músicos. Atiram beatas para o palco, papéis…e quando Adolfo lhes dá a oportunidade de participar no fim de uma música, não largam o microfone. O vocalista não consegue fazer com que larguem o micro, encolhe os ombros e volta ao palco. Quando lhe é devolvido o microfone, continua a música difícil de adjetivar. É punk, é rock e alguns momentos de conversa musicada. 

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

A noite vai chegando ao fim e com ela o festival também. O recinto enche para receber Jorge Palma e os seus 40 anos de carreira. Todos esperam os temas clássicos portugueses como “Frágil”, “Deixa-me Rir”, e “Encosta-te a Mim”.

É um concerto passado  sempre com os olhos prostrados em Jorge, de lenço azul ao pescoço. Ao lado do lenço atravessa-se a fita que segura a guitarra com que passa a maior parte do concerto. Na fita lê-se “Palma”. Na ponta esquerda do palco está um piano e é para aí que Jorge Palma se dirige para cantar “Só”, “Dá-me Lume” e as palavras “Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal / Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual”. 

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

Jorge pede que se aplauda o regresso de Tó Trips e António Quintilho. Chegou a altura em que estes amigos tocam, pela primeira vez, juntos. Jorge não sai do piano, Tó traz a guitarra e António, o contrabaixo. Já se imagina o que pode sair dali. Primeiro, ouvimos uma melodiosa “Estrela do mar”, um tema de Jorge, e de seguida, um emocionado “Povo que cais descalço”, dos Combo. 

Um dos momentos mais profundos foi de conselhos: “Ai, Portugal, Portugal/ De que é que tu estás à espera?/ Tens um pé numa galera/ E outro no fundo do mar/ Ai, Portugal, Portugal/ Enquanto ficares à espera/ Ninguém te pode ajudar”. Aqui Jorge já tem o resto da banda consigo. No final da atuação, um encore , uma vénia e “até para o ano”. 

Fotografia: Gustavo Carvalho/CCA

Foi com estes oito concertos, divididos em dois dias, que nos despedimos do Douro Rock. Os campistas voltam para o conforto das suas camas e começa assim uma nova contagem decrescente para o regresso dos festivaleiros ao “festival-pérola” do Douro. O Peso da Régua vai ficar a guardar os vinhos que vão acompanhar a 5ª edição deste festival 100% português.

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