Valete no Coliseu dos Recreios: uma celebração calorosa dos 20 anos de carreira de um artista incontornável do hip hop português
A 3 de Fevereiro de 2023 festejaram-se um marco importante da carreira de Valete, um dos rappers mais emblemáticos do hip hop português. A data foi a primeira de duas celebrações de duas décadas de música, e no Coliseu dos Recreios o artista lisboeta levou os seus fãs numa emocionante viagem pela sua discografia.
Mas ainda que o aniversário seja do músico, celebrou-se também a cultura hip hop que o viu crescer como rapper, como a battle entre Edi Ventura e FLAJO mostrou. O primeiro parecia ter partido à frente, mas FLAJO e a reacção do público às suas barras dilacerantes não deixaram margem para dúvidas sobre o vencedor. Seguiu-se uma curta actuação de outro veterano do hip hop português, Xeg. O MC foi recebido com entusiasmo e “Mariana”, “Música” e “Erros” também nos levaram por uma viagem pela carreira deste rapper, e o banger “Oh Mãe” foi o primeiro estrondo sonoro daquela noite.
A espera foi curta para o evento principal, com direito a entrada em grande, numa sequência de trompete a improvisar em sintonia com o instrumental seguido de uma guitarra a rasgar um solo sentido. A celebração começou pelo presente, com “Lenda” a abrir o concerto com pujança. O tema faz parte de Aperitivo, EP lançado por Valete duas semanas antes desta estreia ao vivo, e soou antes de recuarmos até 2012 e à saudosista “Melhores Anos”. Os primeiros versos dessa música deram lugar a “Pseudo MC’s” e à subida ao palco do primeiro convidado da noite: Bónus, companheiro de viagem de Valete em alguns dos temas do artista.
A fugaz sucessão musical que abriu o concerto deu lugar a uma breve pausa para agradecimentos ao público, e que serviu também para um pedido: o máximo de barulho sempre que Valete dissesse 115, uma referência a Canal 115, grupo que tinha com Bónus e Adamastor nos tempos de Educação Visual e Serviço Público, álbuns bem representados por “Mulher Que Deus Amou e por “Anti-Herói” ou “Subúrbios”, essa última com uma estrofe que surripiou a batida de “Shook Ones Pt. II” dos Mobb Deep. Pequenos detalhes como esse ou o piscar de olhos a Kendrick Lamar e “m.A.A.d city” no instrumental de “Colete Amarelo” sentiram-se um pouco por todo o concerto e fizeram da experiência mais orgânica e imprevisível.
Depois de “Vampiris” encerrar mais uma série bem encadeada de músicas, foi altura de mais um convidado subir a palco: Papillon presenteou o público com “.Y” e “Impec”. Este momento foi Valete a dar espaço a um artista que respeita, em que se revê e que acredita na sua música, e não foi único dessa noite: pelo palco passaram também DJ Ride e Phoenix Rdc, um que veio mostrar a sua mestria por trás dos pratos e outro que veio mostrar a sua “Dureza” e uma sentida homenagem a Valete. Durante “Vencedor”, as lanternas no ar iluminaram a consagração sonora que ali se ouvia, e quem as empunhava acompanhou o tema a bom som.
Os nomes que acompanharam Valete nesta viagem eram conhecidos do público mas o artista mostrou que apoia também quem precisa de mais visibilidade. “Intemporal” trouxe-o de volta ao palco acompanhado por Lila e por uma mensagem de incentivo de apoio aos artistas anónimos de Portugal. “Samuel Mira” trouxe em espírito outro gigante do hip hop tuga, e “Canal 115” trouxe em força um êxtase total do público, aproveitado também na poderosa “Rap Consciente” que encerrou a actuação de forma explosiva.
A despedida foi curta porque antecedeu o encore que um espectáculo desta dimensão pede e que os fãs carinhosamente exigiram. O Coliseu não estava a rebentar pelas costuras mas em “Fim da Ditadura” e “Roleta Russa” soou como se estivesse perto disso. No tema final, o sample de “Hail Mary” de Tupac encerrou aquele que é um dos temas mais populares da carreira de Valete. Despediu-se com um pedido e um aforismo: “Continuem a ouvir rap” e “O medo é o maior inimigo do homem”, máxima que soou várias vezes ao longo do concerto. E naquela noite, o rapper sem medo fez a festa para os seus fãs.