Viagem ao Portugal profundo
O Jornal Fórum Covilhã, com fotografias de Armando Jorge, traz-lhe um outro olhar sobre um Portugal profundo, com gentes do Interior do país, que é tantas vezes esquecida pelos demais, mas que tem no olhar um lado completamente português que é cada vez mais raro de encontrar.
Portugal, embora seja considerado um país de pequena dimensão quando comparado com muitos outros, tem também ele várias realidades diferentes dentro de si mesmo. Começa por ter dois vetores diferentes que se opõem e criam tantas diferenças sociais difíceis de esbater: o litoral e o interior. E mesmo dentro do Interior, há várias realidades consoante a distância a que se está do maior aglomerado populacional mais próximo.
É verdade que quem vive no litoral do país tem de facto uma acessibilidade e facilidade de se desenvolver relativamente ao interior e essas diferenças não têm sido combatidas com real eficácia. É uma luta antiga pela coesão territorial que se vai adiando muitas vezes com medidas que tapam feridas mas não regeneram o corpo e com decisores políticos que tomam decisões de realidades que não conhecem por dentro, o que é sempre contraprodutivo. A fuga das pessoas do Interior de Portugal para os grandes centros populacionais é uma realidade constante que tira cada vez mais vida ao Portugal mais autêntico, que ainda subsiste a pulso e que cada vez mais deixa ao abandono uma parte tão importante do nosso património. Se Portugal fosse uma balança, estaríamos a encher tanto o prato do litoral que qualquer dia a balança caía nessa direção. É nessa dicotomia nada saudável que Portugal está preso e em ciclo vicioso que, tendo retorno, sabe que o seu custo é cada vez maior. São os números que o dizem quando referem que a densidade populacional em Portugal, entre 2011 e 2018, segundo dados do INE, diminuiu em 274 dos 308 municípios. E desses 34 municípios que aumentaram a sua população, mais de 75% deles estão na zona litoral do país. É uma sangria que leva habitantes e abandona aldeias e povoados a ritmo avassalador ao qual não tem sido dada qualquer resposta.
«Olhos que não vêm, coração que não sente».
O isolamento enorme das populações mais rurais de cada país no seu Interior, faz com que muitas vezes as pessoas se esqueçam das outras realidades que existem tão perto. Mais de 70 anos depois da chegada da eletricidade a Portugal, muitos acham que já não existem freguesias isoladas em que alguns dos seus habitantes ainda não têm acesso a luz elétrica dentro das próprias casas, ou a aquecimento condigno, vivendo em condições totalmente desumanas nos tempos em que estamos. Segundo o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, só em 2018, morreram 397 portugueses cuja causa da morte foi considerada o frio a que essas pessoas estiveram expostas no Inverno por falta de aquecimento. Portugal foi mesmo considerado este ano como o quinto país Europeu onde os cidadãos têm mais dificuldades em aquecer as suas casas (20.4%), o que demonstra uma realidade que afinal é bem mais comum do que desejaríamos. E se há casos reportados em grandes cidades do país, é fácil de imaginar onde este tipo de situações tem mais repercussão, já que é no Interior que há um maior número de habitações em que nem luz e gás estão instalados e onde ainda se usam candeeiros a óleo e lareiras sem qualquer proteção e danosas para a saúde pessoal para se conseguir algum tipo de aquecimento. Não é por acaso que as dez freguesias mais vulneráveis ao frio e as dez freguesias mais vulneráveis ao calor são todos no Interior de Portugal, diz um estudo da CENSE e da FCT-NOVA. A freguesia mais vulnerável ao frio de todo o país é até na Covilhã, Verdelhos, tendo ainda nesse “top” 10 a freguesia de Monfortinho e Salvaterra do Extremo em Idanha-a-Nova.
E os olhos dizem tanto …. Vê-se nos olhos destas pessoas de fibra uma força imaginável, uma vontade enorme de superar cada dia por si mesmo, sabendo que muitas vezes nada de melhor os espera, mas que ninguém lhes pode tirar a vontade de viver. O Interior de Portugal, principalmente aquele mais inóspito e esquecido, é também o mais rico em autenticidade, verdade, pureza, humildade e principalmente portugalidade. Essa portugalidade esquecida e diluída em tantas experiências e trocas de cultura que vamos tendo existe neste Portugal profundo de uma forma tão vincada e marcada, que todos nos sentimos mais portugueses quando o visitamos. O Interior de Portugal e “as gentes cá da terra” estão cada vez mais esquecidas num país hiperindustrializado e a funcionar à base de serviços terciários.
Cabe-nos a nós lembrá-las, homenageá-las e em vez de apenas de lhes prometer que as coisas vão mudar uma vez de quatro em quatro anos, trazer de facto mudanças à vida de quem as merece e de quem mais luta por elas, sem nunca as ter podido saborear na íntegra e por interior.
Há um Portugal profundo, cada vez mais português que os outros «Portugais». Um Portugal que mora aqui mesmo ao nosso lado, que é nosso. Zelemos por ele, para que de tão esquecido não acabe por desaparecer. Porque ele já está a desaparecer…
Este artigo é da autoria de Fernando Gil Teixeira e foi originalmente publicado em Jornal Fórum Covilhã.