“Vivarium”, de Lorcan Finnegan, e a identificação com o Sísifo
Quando achamos os eventos em mostra engraçados, o filme é cómico; se nos parecem tristes, será um drama; medo e sustos fazem um filme de terror. Mesmo adotando uma postura estritamente analítica, a perceção de um filme está inextricavelmente veiculada a um processo básico de identificação simbólica e emocional das situações. Sendo essa projeção mental subjetiva, é potencialmente falível: Amour Fou (2014), de Jessica Hausner – de regresso a Cannes este ano com Little Joe (2019) -, dividiu audiências entre os que achavam o melodrama minimalista hilariante e aqueles que na obra não viam qualquer motivo para riso. De qualquer modo, seguindo a mesma linha de pensamento, que poderemos achar de um filme que vive da representação de ações frustrantes?
Convenhamos: o enunciado acima exposto não é uma fórmula universal, nem se pretende que seja, o que, todavia, não nos impede de lhe acoplar uma outra variável, porventura diminuindo a quantidade de exceções. Como podem Roy Andersson ou Rick Alverson fazer comédia da infelicidade alheia? A resposta poderá ser a ausência de empatia. Uma queda tem potencial para ser tão engraçada quanto preocupante – a diferença estando na identidade de quem cai: de um lado, um desconhecido no Youtube, do outro, a própria avó.
Vivarium (2019), segunda longa-metragem de Lorcan Finnegan, estreado na Semaine de la Critique, é um filme de múltiplos defeitos, um dos maiores dos quais passa precisamente por esta questão. Imogen Poots e Jesse Eisenberg interpretam um jovem casal, ela educadora de infância, ele jardineiro, absolutamente fofo e adorável. Pensam formar família e, para isso, precisam de uma casa. Um dia, ao saírem do trabalho, deslocam-se até a uma agência imobiliária onde serão apresentados ao vasto mundo de vivendas nos subúrbios. Esta primeira secção de Vivarium funciona muito bem: o ambiente é ligeiro e humorístico, com os dois atores referidos, inequivocamente em grande forma, a emanar uma aura de descontração que desinibe o espetador para que se ria da interpretação propositadamente alienígena de Jonathan Aris, o agente imobiliário. A situação deteriora-se quando o casal dá por si abandonado na vivenda que visitava, encurralados num labirinto do qual nunca escaparão.
É nestes termos que se desenrolará o grosso do filme, um espetáculo sustentado no prazer de observar gente repetir mecanicamente as ações quotidianas, caminhando vagarosamente para a sua morte – com o mero detalhe de que, estando neste caso a fazê-lo contra a sua vontade, o nível de frustração das personagens vai progressivamente elevando-se. A ideia é simples e fácil e prende-se com fazer uma sátira à tranquila vida suburbana, monótona e rotineira até perder o sentido. Qualquer membro da audiência com um só dedo de testa conseguirá ver isto nos primeiros 15 a 20 minutos de Vivarium. Se, por ter estado a mexer no telemóvel ou ter adormecido, alguém não o fizer, não se apoquente, pois terá ainda toda a restante duração do filme para o fazer, visto que Finnegan nada mais tem para oferecer para lá disso.
O simpático casal a quem tanto nos tínhamos afeiçoado tem as suas ações limitadas à sisífica repetição da mesma jornada e o filme pede-nos, não que nos riamos, mas que empatizemos com isto. Pelo contrário, o espetador, aquele que, por cortesia, perseverança ou ingenuidade, se mantenha na sala, transforma-se no seu próprio Sísifo: o Sísifo cinematográfico ou espetacular, revivendo o seu sofrimento a cada minuto que passa. Deste exercício nada mais advém que o câmbio de paciência por frustração. Ao subir das luzes, enquanto abandonava a sala de projeção, comentava que não havia necessidade de manter a narrativa numa tal inércia durante duas horas. Apenas mais tarde perceberia que a duração total do filme em pouco ultrapassa a hora e meia.
Numa cena já próxima do final, Poots atravessa momentaneamente algo como o submundo daquele universo suburbano. É tão surpreendente e dececionante quanto previsível que este não passe de exatamente o mesmo que o que já conhecíamos, com a radical novidade adicionada de efeitos de imagem – nem sequer um cambiante, antes um recalibramento estético. Vivarium tem literalmente uma ideia e limita-se a repeti-la ad nauseam. O melhor será mesmo evitar este e rever Creepy (2016).