“Walden ou a Vida nos Bosques”, de Henry David Thoreau: um livro com temas intemporais que vai da ecologia à crítica social estruturante

por José Moreira,    1 Outubro, 2022
“Walden ou a Vida nos Bosques”, de Henry David Thoreau: um livro com temas intemporais que vai da ecologia à crítica social estruturante
“Walden ou a Vida nos Bosques”, livro de Henry David Thoreau

“Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida.”, pode ler-se neste livro.

O autor pluridisciplinar Henry David Thoreau (1817-1862) publica “Walden ou a Vida nos Bosques” em 1854, relatando de forma autobiográfica um período de dois anos em que viveu no lago Walden, situado em Concord no Massachusetts. Thoreau chega ao lago Walden no verão de 1845 para ocupar uma parcela de terreno que era propriedade de Ralph Waldo Emerson, seu grande amigo e mentor. Procura reaproximar-se da natureza e de um modo de vida em que estaria o mínimo possível à mercê das imposições da sociedade contemporânea, como o consumismo e a burocracia, vivendo de forma deliberada. A quebra com as rotinas da vida urbana, culmina com Thoreau a rejeitar radicalmente as imposições da sociedade da época. Ganha então, gradualmente, maior controlo sobre uma diversidade de aspectos da sua vida e do tempo despendido em cada um deles, tais como a sua dedicação ao trabalho intelectual e a gestão orgânica dos seus horários. Thoreau quis claramente ser dono do seu tempo. Como se pode intuir na seguinte passagem: “Devemos aprender a despertar novamente e a manter-nos despertos, não com ajuda mecânica, mas pela infinita expectativa do amanhecer, que não nos abandona no nosso sono mais profundo. Desconheço um facto mais encorajador do que a inquestionável habilidade do homem para elevar a vida através do esforço consciente.

Almejava assim uma vida mais simples, de liberdade plena e com a languidez dos dias nas suas mãos: “Na parte da manhã, depois de amanhar a terra ou de ler e escrever, tinha por costume banhar-me novamente no lago, nadando através de uma das suas enseadas até chegar a um limite, lavando-me da poeira do trabalho ou alisando a última ruga causada pela concentração no estudo, e durante a tarde ficava absolutamente livre.

Encontramos expostos os seus diversos pensamentos filosóficos intercalados com raciocínios práticos de variável profundidade que vão da obtenção de sustento à  gestão dos recursos que tinha à sua disposição. No entanto, neste seu exercício de minimalismo materialista, diria que o principal motivador de Thoreau consistia na abertura da percepção (sua e dos leitores) sobre o usufruto da natureza, ou seja, uma abertura mental e espiritual aos benefícios da vida na natureza. 

“Contudo, deveríamos, com mais assiduidade, olhar muito para além do corrimão do nosso navio, como passageiros curiosos, e não viajar como marujos tolos que passam o tempo de olhos fixos na estopa de calafate.”

Walden ou a Vida nos Bosques”, livro de Henry David Thoreau

O conteúdo deste livro vai desde o sublime e poético, a divagações existenciais ou a enumerações e descrições meramente informativas. Deixou-me também a forte impressão de ter sido escrito enquanto reflexo da cadência rítmica que marcaria os dias de Thoreau nas margens do lago Walden. Experimenta-se assim uma leitura densa e demorada que pode não ser do agrado de todos, reforço que não é uma obra fácil de “digerir” e que se vá adequar facilmente a todos os leitores. Derivado, em parte, à linguagem e expressões decorrentes da sua época, como seria de esperar. Nada disto invalida a pertinência sempre actual dos temas sobre os quais Thoreau discorre, eloquentemente, temas intemporais que vão da ecologia à crítica social estruturante. É inegável que Thoreau marcou a sociedade, academia e literatura norte-americana e não só. A sua influência pode ser verificada na sua época, nas décadas subsequentes e mesmo atualmente. Relembrando que em 1849, com “A Desobediência Civil”, estabeleceu-se enquanto intelectual dissidente da opressão (esta obra impactou de forma profunda Tolstói, Gandhi e Martin Luther King Jr).

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