‘Why Me? Why Not?’ expande a zona de conforto de Liam Gallagher
Porquê ficar na zona de conforto? Porque não? Esta interrogação serve de perfeita introdução para o segundo take da carreira de Liam Gallagher, como artista a solo, após o fim dos Oasis, no já longínquo ano de 2009 e a falhada experiência que se seguiu, com os restantes membros da histórica banda inglesa, sob o nome de Beady Eye. Após andar desaparecido da ribalta durante bastantes anos, e seguindo o clímax de nova popularidade, iniciado pelo documentário Supersonic, Liam lançou As You Were, que marcou a sua estreia como artista a solo. Aclamado pela crítica, a que se juntou o facto de ter sido um number one record, seguiu-se uma tournée que se revelou um sucesso, estendendo-se até 2018. Após isto, seguiu-se a pausa necessária para recarregar baterias, reunir-se no estúdio com a sua equipa de songwriting (liderada, sobretudo, por Andrew Wyatt e pelo produtor Greg Kurstin) e planear e produzir o novo álbum, de seu título Why Me? Why Not?.
A mais recente experiência discográfica de Gallagher já tinha dado sinais de vida até ao seu lançamento em concreto. Shockwave foi o single que iniciou a promoção deste novo ciclo, com o qual se pode establecer bastantes paralelismos com Wall of Glass, do anterior álbum, ao serem ambas faixas produzidas com uma batida mais catchy e uma produção radio friendly, fazendo um blend de rock e pop, embora sem nunca explodir para algo de genial. Seguiu-se The River, que rompe totalmente com a som apresentado até então. É uma canção mais punk, com um lado bastante rough, que, apesar de numa primeira audição parecer bastante genérica, ganha bastante com o solo de guitarra perto do fim.
Once é depois lançada, na sequência do documentário As It Was, e é uma canção bastante emocional, particularmente para quem é fã dos Oasis, pois a letra retrata claramente o passado da relação dos irmãos. O crescimento de um início em acústico para uma parte totalmente instrumentalizada é bastante bem feito, com um grande uso de diversos instrumentos no background, embora o uso de uma Once computorizada, antes do chorus final, seja um pouco contraproducente, para além de estragar um pouco a emoção da canção, que o seu final não consegue totalmente recuperar. A promoção do álbum, através de singles, terminou com a One of Us, que é, sem dúvida alguma, o destaque de todos eles. Com um estilo pop moderno e não demasiadamente comum, aproveitam-se as melhores valências de Liam, com um final tremendo que atinge níveis que nenhuma das músicas de promoção tinham atingido.
Observando o restante álbum, na sua versão Deluxe, com 15 faixas, cedo percebemos que existem bastantes pontos fortes, bastante mais fortes até, que a maioria dos singles lançados na sua promoção, e com sonoridades distintas, embora nunca fugindo dos estilos que já ouvimos Liam cantar em ao longo de todos os seus projetos. Now That I’ve Found You é uma faixa pop, bastante moderna, que transmite uma energia bastante positiva, com o uso inteligente de backing vocals. Esta devia de ter sido um single, dada a altura do ano em que nos encontramos e na qual apreciamos, especialmente, a dita energia. Meadow tem claras influências dos The Beatles, em particular da sua Magical Mystery Tour, e é uma agradável surpresa voltar a ouvir essa sonoridade, agora sob a alçada de uma produção moderna. E, nesta senda de influência dos Beatles, podemos, ainda, incluir Alright Now, embora numa onda mais próxima do trabalho a solo de John Lennon e George Harrison.
Why Me? Why Not?, faixa homónima do álbum, traz algumas sensações de Dig Out Your Soul – álbum lançado pelos Oasis em 2008 – e, nos momentos iniciais, não as traz a partir das suas melhores partes. Porém, tem um crescendo genial e o refrão fica bastante no ouvido. Já Halo e Misunderstood levam-nos de volta ao que ouvíamos quando os Beady Eye eram uma realidade, mas não necessariamente no pior sentido. A primeira faixa traça alguns paralelos com Bring The Light, música dessa banda, especialmente dado o uso do piano de uma forma bastante similar a esta. Já a segunda dá sensações do último álbum do grupo, BE (2013), mas escapa à mediocridade relacionada com praticamente todo esse trabalho, pois tem uma produção muito mais bem trabalhada, o que eleva, e muito, a qualidade da música. Isto foi algo que falhou claramente no álbum referido e é bom ver as ideias dessa sonoridade serem novamente visitadas com alguém mais capaz no estúdio.
Be Still e Gone fecham o lote da versão standard do álbum e merecem particular destaque. A primeira consegue misturar, de forma positiva, pop moderno com o estilo que caracterizou os Oasis no seu auge, com mais fragrâncias de rock, enquanto que Gone é algo grungy em momentos e pop rock, com influências old school e instrumentais, que faz uso da forma de Liam de forma algo peculiar em certos momentos, sendo, acima de tudo, uma faixa cheia da attitude que tanto o caracteriza. Uma nota final de destaque deve ser dada a Invsible Sun, que pertence às faixas bónus do álbum, mas que têm uma sonoridade em parte parecida ao que ouvimos quando Gallagher trabalhou com os Death In Vegas e lançou Scorpio Rising, no ano de 2002.
Apesar de não ser totalmente groundbreaking e de nunca fugir muito dos estilos que o têm caracterizado até aqui, a versatilidade musical de Liam Gallagher presente em Why Me? Why Not? é maior que a que encontramos em As You Were (2017), o seu antecessor. Desde influências do que existe de bom no pop moderno, a uma viagem pelos anos 60 e 70, passando ainda pelos lugares comuns à carreira de LG, nunca se fica com a sensação que estamos a ouvir um conjunto de canções que foram juntadas só porque sim. Fica-se, sim, com a sensação que este é o melhor trabalho lançado sob o seu nome e que é superior a grande parte dos trabalhos que os Oasis lançaram após o seu auge. Porquê fugir ao que se sabe de melhor, quando ainda se consegue variar e, dentro disso, mostrar a sua qualidade?
Crítica de: Pedro Monteiro, estudante do Porto, 24 anos, finalista do curso de Línguas Aplicadas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A sua zona de conforto é o cinema e a música, duas paixões interligadas e tão singulares, que não deixam de ser fascinante em cada dia que passa, transmitido pela sua diversidade de opiniões.