Xavier Legrand: ‘Há diversas formas de violência que se passam no foro doméstico’
Guarda Partilhada foi um dos filmes surpresa do festival de Veneza, sabiamente guardado para o final. E que impacto teve. Aliás, o filme funciona como uma bomba relógio prestes a rebentar. Foi a reacção a esse impulso após a sessão que nos fez solicitar de imediato a entrevista com Xavier Legrand, o actor de teatro convertido em grande realizador. Um pequeno fenómeno, podemos dizer, que passa também pelo nome do puto Thomas Goria, bem como do avassalador Denis Ménochet e Léa Drucker. Tudo isto no primeiro filme do actor Legrand que quis ser realizador. Talvez por isso, o prémio de Melhor Realizador em Veneza (bem como o prémio Luigi De Laurentiis, ou o Leão do Futuro) lhe fique tão bem. Agora cumpre descobrir os contornos do medo familiar na sala de cinema.
De onde foi o seu ponto de partida filme para o filme, foi inspirado em histórias verídicas?
O filme não foi retirado de um qualquer fait divers, foi inspirado na realidade social. Algo de que me encolerizou enquanto cidadão. Por outro lado, esta forma de violência é muito difícil de tratar no cinema. Interessou-me o ponto de vista do espectador, porque normalmente existe um acerta barreira de defesa nestes temas de violência doméstica. Até porque temos de nos proteger dessas cenas de violência. Por isso quis encontrar um meio diferente para as apresentar. No fundo, envolver o espectador no medo. Foi algo que ponderei de forma a envolver ainda mais o espectador.
O filme é baseado numa curta metragem sua, de resto vencedora dos Césares e nomeada aos Óscares. Porque o fascínio por este tema?
Na verdade, queria fazer uma trilogia sobre o tema, sobre a separação quando existe violência. com três curtas, embora abarcando aspetos diferentes dessa rutura, sobretudo quando existe violência. Só que depois do primeiro filme apercebi-me que se tivesse feito outras duas curtas teria também perdido algum equilíbrio. Por isso optei por fazer uma longa.
Que tipo de pesquisa fez? Falou com vítimas, advogados, jornalistas…
Fiz uma longa pesquisa, sobretudo do ponto de vista psicológico e social. Li muito sobre a matéria, algo que não foi fácil. Mas quis perceber o outro lado desta realidade. Os manipuladores, as vítimas… Depois encontrei-me com vítimas, juízes e mesmo com homens violentos que participavam em grupos de terapia. para mim, era importante compreender todos os aspetos e todos os atores que participam neste tipo de violência.
O filme começa de forma quase documental como um filme de pesquisa, mas que vai deslizando depois para o terreno no horror. Interessou-lhe essa combinação de géneros?
Sim, foi essa a minha intenção. Por isso o filme começa no escritório de um juiz e acaba quase num filme de horror. A verdade é que nunca conseguimos aperceber-nos das diversas formas de violência que se passam no foro doméstico, ao ponto de um homem tentar matar a mulher que já amou, e mesmo quando está envolvida também uma criança.
Acha que este filme pode promover algum tipo de mudança entre alguma mudança política e promover algum tipo de debate mais aberto sobre o assunto?
Esse é um tema muito forte. Não por não se falar, mas por se falar mal. Por exemplo, o ano passado em França 124 mulheres foram mortas. Isso não são dramas familiares, são homicídios. Sim, é a minha intenção que se possa abrir esse debate. Temos de perceber então o que está em causa quando tratamos de crimes passionais. E sobretudo a questão que se relaciona com o melhor bem-estar das crianças, pois são os alvo principal da violência. Espero que o meu filme possa ajudar a alterar alguma coisa.
Que desafio teve ao filmar com esta criança num cenário tão violento?
O desafio foi que passasse o melhor possível, mas cedo verifiquei que a sua qualidade inata de ator veio ao de cima. Este é um filme sobre violência doméstica, mas trabalhei sempre no nível de emoção. A verdade é que ele é bastante natural, pela forma como escuta e se entrega à ação.
De que forma a nomeação aos Óscares facilitou o seu trabalho e acesso ao financiamento?
Não sei a nomeação se alterou assim tanto. É claro que me ajudou a legitimar o meu trabalho como realizador, já que eu sou essencialmente ator de teatro. Acho que obtive o financiamento porque o argumento interessou de forma natural.
Entrevista de Paulo Portugal em parceria com Insider.pt