Yves Saint Laurent aos olhos das suas cinebiografias
Saint Laurent foi um modista (designer de moda) que deixou a imagem de artista atormentado. Inteligente e tímido, tentava usar esta segunda característica a seu favor. Não gostava de falar muito e sentia um certo incómodo face a quem fazia aqueles barulhos “desnecessários” sem muito sentido perturbando assim a sua concentração quando trabalhava. Era viciado em Coca Cola e fumava constantemente, e, além do mais, apreciava o Teatro e Proust. Começou a dar nas vistas num concurso de desenho em Paris, no qual saiu vencedor da categoria de Vestido de Noite e no qual o conhecido Karl Lagerfeld (que morreu há menos de 1 ano, tendo sido um modista de relevo internacional ao ficar na história da moda e da Chanel) ganhou para a categoria de Casacos. Um momento que deu início a uma amizade, que, mais tarde, viria a tornar-se numa grande e polémica rivalidade.
Ainda que a Moda não seja um dos temas mais explorados pelo cinema, uma figura intrigante e polémica como Yves Saint Laurent teve direito a duas biografias, ambas provenientes de França em 2014, seis anos depois da sua morte. A versão autorizada por Pierre Bergé (companheiro, amigo e diretor da empresa de Yves) chamada de “Yves Saint Laurent” foi realizada pelo estreante Jalil Lespert, enquanto que a versão alternativa foi feita por Bertrand Bonello, a qual não teve autorização de Pierre, que provavelmente conhecia Yves melhor do que ninguém. No entanto, nenhum dos dois filmes é ou pretende ser um documentário, mas sim uma amostra de uma personagem à qual era impossível passar indiferente.
O filme “Yves Saint Laurent” faz um apanhado da sua vida bem mais largo do que o outro filme. Neste, podemos ver um pouco dos princípios nos grandes palcos da Moda do modista francês quando foi escolhido para suceder a Christian Dior depois da sua morte, passando obviamente pela época em que Yves criou a sua marca. No entanto, nem sempre é fácil abordar tanto um período tão largo em menos de duas horas, uma vez que fica sempre algo por dizer ou pelos custos de oportunidade de não abordar outros incidentes. O facto de ter a “bênção” de Pierre permitiu ao filme destacar-se também pelo vestuário utilizado nas filmagens, dando uma boa imagem do que era o estilo de Yves: a de vestir de preto de forma agressiva a uma mulher “fatal”, perigosa e que gostava da noite. Uma imagem que continua a ser explorada pela atual organização da empresa que o modista deixou, embora, hoje em dia, seja mais conhecida pelas suas malas de mulher.
A versão “Saint Laurent” centra-se no período em que ele já tinha a sua própria marca, dando, em alguns momentos, um salto até à fase final da sua vida. Podemos, ainda, argumentar que o filme se foca um pouco mais na sua vida pessoal do que profissional. Conta, assim, com um elenco de atores de maior afirmação internacional do que o outro. Refiro-me a nomes como Gaspard Ulliel, Louis Garrel ou Léa Seydoux. Neste sentido, a expectativa vai de encontro à realidade, oferecendo esta versão um Yves mais convincente, mostrando o seu lado mais feminino e manipulador. Um exemplo é a cena em que ele tenta convencer numa discoteca uma modela da Chanel a trabalhar para ele. Era a típica mulher alta, magra, bonita, confiante, que metia medo aos homens de abordar, sendo a mulher fatal e perigosa que Yves tentava vestir nas suas colecções. A narrativa é acompanhada de uma cinematografia e de uma edição mais arrojada e colorida, com algumas experiências visuais interessantes, fazendo mais jus à criatividade de Yves.
Como na arte sou maior adepto do “e” que do “ou”, diria que o expectador deveria ver as duas versões se tiver disponibilidade para tal e desfrutar das qualidades de cada um. Na versão de Bonello, encontrará um filme menos preso à história do modista e mais focado em mostrar o homem do qual estamos a falar. Por outro lado, o filme de Lespert faz um retrato mais realista do percurso de um homem com uma visão diferente e genial no seu ofício.