Yves Tumor é rock star futurista em “Heaven to a Tortured Mind”
Quem tenha visto Yves Tumor ao vivo no último ano, sabe que Heaven to a Tortured Mind é verdadeiramente o trabalho que o artista nascido Sean Bowie tinha de lançar agora. Libertando-se totalmente da abstracção ambiente e noise que tem caracterizado boa parte da sua música, Sean encabeça agora uma banda de rock com ‘R’ grande. É rock não no sentido estático que a palavra parece tomar hoje em dia, mas sim no sentido original de um género em constante mudança, com espaço para experimentação e muito mais do que simplesmente guitarras distorcidas.
Os elementos básicos estão cá — incluindo solos de guitarra gloriosos, como a cereja no topo do bolo de glam rock que é “Kerosene!”, dueto com Diana Gordon —, mas abarcam diferentes influências, como R&B, funk, jazz e blues, que passam depois pela produção granulosa e difusa que é apanágio de Yves Tumor. O resultado é um álbum bombástico, com canções que parecem contorcer-se e esticar-se, numa constante expansão que soa realmente a rock do futuro, o que quer que isso seja.
Por mais que Heaven to a Tortured Mind seja cativante e cumpra na totalidade a promessa do conceito de Yves Tumor como rock star, a verdade é que nunca atinge picos tão elevados como os do primeiro single e canção que o abre, “Gospel For a New Century”. O ritmo certo que lhe dá início já é comandante, mas é o pára-arranca e trompetes com sensibilidade vintage que puxam a atenção do ouvinte. Depois disso, Sean Bowie coloca a sua voz na frente como nunca antes fez, cantando directamente para nós uma letra plena de swagger roqueiro. No refrão, todos estes elementos reúnem-se e acotovelam-se para estar na ruidosa linha da frente, numa produção que seria demasiado autoritária se não fosse absolutamente emocionante.
“Medicine Burn” faz uma viragem abrupta à esquerda na direcção do noise rock, distorcendo a guitarra eléctrica de forma alucinante e colocando-nos no meio de uma nuvem de moscardos. Logo a seguir, “Identity Trade”, mantém a energia em altas com o seu ritmo nervoso e colagens de sons que soam a descargas eléctricas. Em “Romanticist”, a voz processada de Yves Tumor harmoniza com o timbre angelical de Kelsey Lu, sob o som de lâminas a serem afiadas, sugerindo uma ameaça iminente. Depois, uma explosão de baterias colapsantes e sons de fogo-de-artifício faz a ponte com “Dream Palette”, personificando-se então a ameaça na performance vocal urgente de Yves e na entrega aguerrida e gutural de Julia Cumming, dos Sunflower Bean.
O álbum ameaça manter o pico de adrenalina até ao final, mas acaba por encontrar estados de espírito mais contemplativos nas últimas canções. Em “Strawberry Privilege”, Sean eleva a sua voz a um falsete e Julia Cumming regressa para uma harmonização agradável, saltitando sobre um ritmo fugidio e baixo vibrante. Apesar do ritmo eléctrico que a mantém aterrada, “Folie Imposée” tem um refrão hipnótico que a puxa numa direcção mais espacial. São canções bem-vindas para refrear os ânimos de um álbum esgotante (no bom sentido), mas não tão interessantes como “A Greater Love” ou “Super Stars”, o momento à Justin Timberlake com um pouco de distorção e acidez.
“A Greater Love” fecha o álbum numa toada sensual, com a entrega soul da convidada Clara La San e teclas que misturam psicadelismo pastoral e chill out estelar. Se não se destaca tanto em primeiras audições, talvez seja porque pedia uma duração um pouco maior.
Yves Tumor cumpriu a sua promessa, resta agora saber se o mundo da música está preparado para abraçar de forma consensual esta sonoridade familiar, mas de crueza incomparável à paisagem mainstream, como o seu futuro.