10 concertos que nos marcaram este ano
A equipa da vossa Comunidade Cultura e Arte dedicou este ano de 2017 a uma cobertura extensiva do que melhor se fez na música, tanto cá dentro como lá fora. Com mais de 150 críticas a álbuns, e reportagens de variadíssimos concertos e festivais, este foi um ano recheado de música na CCA. Nesta altura de final de ano, consideramos importante fazer um balanço daquilo que mais nos marcou ao longo de 2017; tanto por nós como por aqueles que nos lêem e contribuem para o nosso crescimento. Começamos com uma lista de 10 concertos que ficaram cravejados na nossa memória. Sintam-se livres para partilhar connosco os vossos.
Aphex Twin – NOS Primavera Sound, Porto
Richard David James, mais conhecido por Aphex Twin, gerava curiosidade entre o público do Primavera Sound. Não fosse ele uma lenda viva da música electrónica. O concerto moveu-se pelos tempos inquietos, contratempos arrítmicos – com Syro, de 2014, no centro do alinhamento – ambient-techno e IDM sem receio, onde a performance visual elevou a actuação do génio britânico. As projecções acompanhavam o ritmo dos compassos, incluindo as caras de Aphex Twin sobrepostas às faces das pessoas na audiência. Se o concerto a nível sonoro tinha tudo para ser intenso, a componente vídeo agigantou-o para um espectáculo preenchido. O momento de maior euforia deu-se quando o VJ projectou imagens do quotidiano português: José Castelo Branco, Bruno de Carvalho, Jorge Jesus ou Marcelo Rebelo de Sousa.
O concerto ficou registado na memória de todos, não só pela novidade de ver Aphex Twin ao vivo, mas também por toda a envolvência. Um encerramento mais que perfeito para o palco principal do Primavera Sound, no Porto.
Bon Iver – NOS Primavera Sound, Porto
5 anos depois, Justin Vernon e companhia voltaram ao Porto com o álbum 22, A Million, lançado em 2016. Se a sonoridade de 22, A Million levantou algumas dúvidas, a apresentação ao vivo dissipou-as, com as duas baterias habituais, um conjunto de sopro e os demais elementos de um conjunto quase-perfeito. Justin Vernon habituou-nos à excelência e o concerto no NOS Primavera Sound não foi excepção, quer na música quer na componente visual. Um dos concertos do ano, que nos faz ansiar por um concerto em nome próprio por terras lusas.
Fleet Foxes – NOS Alive, Algés
Seis anos se passaram entre Helplessness Blues e Crack-Up, assim como entre o concerto anterior dos Fleet Foxes em Portugal e este espectáculo. A espera aumentou a ânsia do público, que acorreu em massa ao então Palco Heineken do NOS Alive. A música intimista e ponderada da banda sobrepôs-se ao bulício festivaleiro com uma força emocional redobrada, como se aquela tenda fosse um espaço onde qualquer um se pudesse sentir seguro com os seus sentimentos mais genuínos. Não receamos dizer que a beleza de “The Cascades” levou a que brotasse uma cascata dos nossos olhos, por exemplo. A nostalgia inspirada por clássicos da banda como “He Doesn’t Know Why” ou “White Winter Hymnal” decerto ajudou, assim como a exímia técnica da banda, que demonstrou uma sintonia soberba, muito graças ao perfeccionismo do vocalista Robin Pecknold, que parecia notoriamente feliz pela reacção do público.
Flying Lotus – NOS Primavera Sound, Porto
Steven Ellison estreou-se no NOS Primavera Sound a 8 de Junho de 2017 e o Porto nunca mais foi o mesmo. Escondido por trás de uma tela translúcida, pouco vimos do artista, dado que era constantemente suplantado por imagens fabulosas e cores que adornavam de psicadelismo o espectáculo experimental e aguerrido. Mas ao esconder-se revelou mais sobre o mundo de You’re Dead! que qualquer luz sobre o seu rosto poderia dizer. É por causa de concertos como este que a música vale a pena ser presenciada ao vivo: uma experiência única, um enigma visual para rivalizar o enigma sonoro.
Luís Severo – Galeria Zé dos Bois, Lisboa
Este foi um ano de grandes sucessos no que toca a música portuguesa. A prolificidade fez-se sentir e a diversidade veio à tona. Luís Severo foi um dos artistas que para isso contribuiu. Lançando um dos melhores álbuns deste ano, foi também da sua autoria um dos melhores e mais íntimos concertos que vimos em 2017. Na célebre ZdB actuou, ora só com o pianinho, destacando a sua vulnerável voz; ora com banda. E que banda! Os seus colegas da Cuca Monga e Maternidade rodaram uma porção de instrumentos, com o violino e os coros a construir e encorpar as melodias, satisfazendo bem além de todas as expectativas um público embevecido. Foi magnético e acima de tudo feliz. Os sorrisos culminaram num final a capella em que um palco cheio de músicos e uma plateia cheia de fãs entoaram a “Lábios de Vinho”, num loop que verdadeiramente se queria infinito.
Mitski – NOS Primavera Sound, Porto
Um dos concertos mais explosivos de todo o ano – o que é espantoso de se afirmar, porque estamos a falar de uma performance em que Mitski, por diversos momentos, assume o comando do palco, sozinha com uma guitarra. Nos restantes, assumindo o baixo, e acompanhada de baterista e guitarrista, grita, embala, cospe uma série de sentimentos que são inerentes à sua música. Aquela que é um dos principais rostos da cena indie rock actual veio ao Porto interpretar temas dos seus dois últimos álbuns. Ansiedade, depressão, muita garra e força. “First Love / Late Spring” é momento de catarse. Estávamos diante de uma anti-diva, a dar o corpo e a alma ao manifesto. Intenso, magnético. Quarenta minutos inexplicáveis, ao fim-da-tarde no Palco Pitchfork, com uma plateia bem composta ao mesmo tempo que Sampha cantava a escassos metros de distância. Não é que a opção tenha sido fácil, mas depois de soar o último acorde distorcido da guitarra de Mitski não tivemos a mínima dúvida de que tínhamos assistido ao concerto certo. Ainda estamos assombrados.
The National – Coliseu dos Recreios, Lisboa
Todos sabemos que os The National são presença habitual em Portugal, mas nem a banda se senta à sombra do sucesso conquistado nos seus quase 20 anos de carreira nem o público português se cansa de os ver. Com Sleep Well Beast na bagagem – um dos álbuns do ano para nós – os The National esgotaram o Coliseu dos Recreios meses antes da data. O resultado foi magistral, com Matt Berninger a dedicar-se inteiramente ao público, como sempre o fez, e com os pares de irmãos a tornarem-se, ano após ano, músicos mais completos e eclécticos. Numa perfeita sintonia entre banda e público, assistimos a um concerto cuidado e muito marcado pela vertente visual (por coincidência, obra do stage designer que é também responsável pelo stage designs de Bon Iver). Foi um dos concertos mais bonitos e esperados do ano.
Nick Cave and The Bad Seeds – PalaLottomatica, Roma
Depois do álbum Skeleton Tree, bastante marcado por uma tragédia familiar, Nick Cave voltou aos palcos, numa digressão que passou apenas por arenas. Pedia-se intimismo e, mesmo numa sala de enormes dimensões, esse intimismo manteve-se. Um concerto de Nick Cave é uma catarse, onde o músico, sempre no meio do público, se alimenta da energia das pessoas e as pessoas se alimentam da energia dele. Este concerto não é, para nós, só um dos concertos do ano, é o concerto de uma vida.
Salvador Sobral – Centro Cultural de Belém, Belém
Foram duas noites seguidas, e esgotadas, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. Tivemos a oportunidade de assistir à segunda. Passavam quatro meses da vitória de “Amar pelos Dois” na edição nacional do Festival da Canção; e apenas dois da surpreendente conquista do Eurovision Song Contest. O irmão da Luísa Sobral, o antigo concorrente dos Ídolos, o artista que tocava jazz no Braço de Prata; passava a ser o Salvador, a ser nosso e do mundo. Os fenómenos acontecem; este aconteceu, e movimentou milhões de pessoas. Mas escrutinando o ocorrido, esgravatando toda a situação; chegamos a uma conclusão dificilmente incontornável: embora oculto, já ali estava um importante tesouro da música nacional, que nos passava ao lado.
No concerto do CCB – e estamos em crer que ao longo de toda a digressão nacional – Salvador interpretou com emoção, originalidade e impulso, temas que têm a elasticidade de se transformar de espectáculo para espectáculo, e de nos arrepiar e emocionar. “Presságio”, com letra de Fernando Pessoa, tem de ser destacado. O Salvador não é o único culpado de um concerto com esta amplitude: Júlio Resende, no piano, é um dos grandes, e prova-o constantemente ao longo do concerto; assim como André Rosinha no contrabaixo e Bruno Pedroso na bateria. Há um ambiente de cumplicidade, embrulhado na humildade de quem pisa o palco e no sentimento de devoção de quem ouve. Uma noite incrível, surpreendente ao virar de cada acorde, com direito à estreia de uma arrepiante canção passada num quarto de hospital. A música do Salvador Sobral ganha corpo e alma ao vivo – o álbum não faz jus à qualidade do concerto; talvez o jazz tenha destas coisas. Uma certeza, para nós: estaremos lá no próximo, seja ele quando for.
Surma – Vodafone Mexefest, Lisboa
Caía a noite na Avenida da Liberdade, em Lisboa, e descendo ou subindo a avenida, a passo acelerado ou a desfrutar de amena cavaqueira, faziam-se as contas para qual o próximo concerto a assistir. No Cinema São Jorge, estava prestes a ter início o concerto da leiriense Surma, que viu a Sala Montepio completamente repleta de espectadores do início ao fim. A fila que crescia à porta antecipava a magia que se fazia sentir lá dentro. Desfiando o seu disco de estreia Antwerpen, com uma sonoridade que se inspira no jazz, mas já com um pé no post-rock, Surma emergia de um cenário por entre baixos, guitarras, teclas, pedais de loop, sininhos e até um tambor. Com a sua voz e performance tão singulares, deixava o público rendido a si, na esperança de, como acontecia no autocarro que percorria a Avenida, o concerto se repetisse mais vezes ao longo da noite.
Contribuições de: Bernardo Crastes, Joana de Sousa, João Horta, Linda Formiga, Miguel Santos, Sara Dias e Tiago Mendes
Calendário do melhor de 2017 na música:
- 26/12: Concertos do Ano
- 27/12: Canções do Ano
- 28/12: Álbuns Portugueses do Ano
- 29/12: Álbuns do Ano
- 30/12: A Escolha dos Artistas
- 31/12: A Escolha da Comunidade