5 curtas-metragens do IndieLisboa: colonialismo e progresso
Tirando iniciativas pontuais, o vasto universo de curtas-metragens lançadas anualmente continua pouco visto, sendo raramente aposta das distribuidoras nacionais e internacionais. Tratadas historicamente como um parente pobre das longas-metragens, ou apenas como rampa de lançamento para os cineastas, a verdade é que se podem encontrar alguns dos melhores filmes da história do cinema neste formato. Felizmente, vários festivais de cinema nacionais continuam a, resilientemente, considerar a programação de curtas-metragens nas suas diferentes secções. E o IndieLisboa é um exemplo desta tendência, apresentando novamente na sua edição de 2022 um leque recheado de curtas nacionais e internacionais. Através da visualização e análise de algumas das curtas do IndieLisboa 2022 é possível traçar um fio condutor que as liga, verificando-se a vincada prevalência de duas temáticas: o colonialismo e o progresso.
“urban solutions”, de Minze Tummescheit, Arne Hector, Luciana Mazeto e Vinícius Lopes sobrepõe imagens contemporâneas de condomínios fechados no Brasil — autênticos fortes rodeados por grades, arame farpado, alarmes e câmaras de vigilância — com imagens e narração do período colonial. A estratificação social e desigualdade como herança do esclavagismo, seguranças e porteiros de classes sociais mais baixas, responsáveis pelo sentimento de segurança e pela propriedade privada dos mais ricos, protegidos por cercos sanitários que os isolam da pobreza circundante.
Ligado também à propriedade privada surge “Constant”, de Sasha Litvintseva e Benny Wagner, que versa sobre a medição, o seu contexto histórico e a sua instrumentalização política. Acompanhamos os primeiros passos da privatização de terrenos, a Revolução Francesa e a desmaterialização ligada à atual conjuntura de big science. O mais interessante de “Constant” são as opções formais dos realizadores, com a utilização da fotogrametria ou da filmagem com duas câmaras GoPro, criando imagens inventivas e que rimam com a temática da medição.
Voltando à confrontação mais direta do colonialismo temos “Nosferasta: First Bite”, de Bayley Sweitzer e Adam Khalil. Co-escrito e protagonizado pelo artista rastafari Oba, mordido pelo vampiro Cristóvão Colombo em 1492, aquando da descoberta da América, e acompanhando a sua existência contemporânea. Formalmente arrojado e intercalando documentário e ficção, “Nosferasta: First Bite” representa o colonialismo como uma forma de vampirismo, salientando a dificuldade na cura de uma doença que está perpetuamente presente no nosso sangue.
De regresso ao Brasil, Carlos Segundo apresenta-nos “Sideral”, passado em Natal, onde vai ser lançado o primeiro foguetão tripulado do país. O avanço tecnológico e progresso associado a este acontecimento contrasta acentuadamente com a qualidade de vida da população mais pobre. Um casal com dois filhos vive nas imediações do centro espacial, ela empregada de limpeza e ele mecânico. Seguem a sua rotina habitual até ao momento em que a mulher decide que já não consegue mais suportar esta parca existência.
Por fim, “El Sembrador de Estrellas”, de Lois Patiño, uma city symphony com a componente experimental ainda mais carregada. O quadro negro da noite cerrada de Tokyo pontuado por luzes estáticas (prédios) e rasgado por luzes em movimento (barcos, comboios), assumindo muitas vezes um carácter líquido e fluído proporcionado pelo reflexo da luz na água. E Patiño vai ainda mais longe, reorganizando os elementos no plano (barcos em cima de prédios, água por cima de comboios), enquanto ouvimos os sons da cidade e a narração em japonês, também ela colagem, de textos de Beckett, Borges, Cézanne ou Sontag.
Distribuídas por várias secções do IndieLisboa, com predominância na secção Silvestre, as curtas-metragens elencadas estabelecem um interessante diálogo entre si, na forma como utilizam diferentes formatos e abordagens cinematográficas, rejeitando fórmulas consagradas e alcançando singularmente o seu propósito. Em conjunto, representam um retrato diversificado da história e do seu impacto na contemporaneidade, o progresso como bandeira do avanço civilizacional ensimesmado e pouco permeável ao humanismo e solidariedade.