Mainz: o berço da imprensa global
É na margem esquerda do rio Reno, um dos mais longos rios da Alemanha, que se vislumbra uma pequena cidade cheia de cultura, mistérios e outros tantos recantos que a tornam num dos locais de maior interesse na Europa. A cidade de Mainz, ou Mogúncia traduzido para o português (um nome pouco apelativo na verdade), para além de ser a capital do estado federal da Província do Reno (Rheinland-Pfalz, em alemão), é também a cidade natal daquele que é considerado o pai da imprensa, sendo também um dos maiores ícones da mesma: Johannes Gutenberg. Poderíamos falar até de outros símbolos que tornam Mainz numa cidade ainda mais peculiar como a Catedral construída no século X que é uma das maiores referências da cidade, ou da Universidade fundada em meados século XV, encerrada pelos franceses durante as invasões napoleónicas e refundada pelos mesmos após a II grande guerra, ou do clube de futebol que disputa a primeira divisão alemã e que coloca o nome da cidade num patamar mais alto, mas é mesmo Gutenberg o grande símbolo da cidade, dado o seu contributo revolucionário no que diz respeito à impressão que veio substituir a cópia manual realizada convencionalmente por monges e utilizada durante séculos e séculos. Nascido por volta de 1400 (a data é ainda incerta) e falecido em 1468, assinalam-se em 2018 os 550 anos do desaparecimento de Gutenberg, sendo este um ano importante para a cidade de Mainz. Se há motivo e altura para um dia visitar esta cidade, 2018 é sem dúvida uma das alturas mais oportunas para tal, dadas as as homenagens feitas a Gutenberg ao longo dos últimos meses.
Para aqueles que possam ou pretendam visitar futuramente Mainz é de se notar que os acessos são de facto fáceis: ficando apenas a 30 minutos de comboio de Frankfurt e a menos de 20 do aeroporto, é relativamente simples chegar a esta cidade que, apesar de pequena para um país no coração da Europa como é a Alemanha, tem muito para oferecer aos seus visitantes. Da vista magnífica contemplada pelo rio Reno até à famosa Catedral de São Martinho, das ruínas do império romano até aos vestígios dos danos causados durante a II grande guerra que quase que arrasaram a cidade, do clima ameno (pelo menos no verão) até ao sabor da típica cerveja alemã, das bicicletas que são o principal meio de transporte até ao ilustre mercado de produtos regionais que se realiza três vezes por semana, todos estes pormenores tornam Mainz numa cidade bastante acolhedora não só para os seus habitantes, mas também para aqueles que ousam em aventurar-se. E não se esperaria outra coisa daquela que foi a cidade natal de Gutenberg e também a cidade berço da imprensa a nível global pois, a partir das invenções e do enorme contributo de Gutenberg, o caminho para a criação de um sistema de informação mais acessível e menos burocrático foi, todo ele, mais fácil.
De facto as técnicas e as ideias implementadas por Johannes Gutenberg foram revolucionárias para a época, tão revolucionárias que acabaram por vir a extinguir os famosos monges conhecidos por serem escribas de obras literárias, em destaque para a Bíblia Sagrada que se tornou na primeira grande obra impressa pela maquinaria de Gutenberg. A “Prensa Móvel” tornava-se assim numa das invenções mais importantes e fascinantes de toda uma era. A ideia teve como base a prensa utilizada para espremer uvas aquando da preparação para o fabrico de vinho, algo que Gutenberg já teria construído para os vinicultores que eram donos das vinhas à beira do Reno, sendo esta uma técnica mais fácil de se adaptar para a impressão. Contudo, estas técnicas não terão sido únicas de todo: em meados do ano 1000 na China, Bi Sheng, um outro inventor, terá usado uma técnica de prensa móvel semelhante, com caracteres em mandarim. No entanto, os materiais constituintes das prensas de Bi Sheng e Gutenberg eram diferentes. A prensa de Bi Sheng foi construída com base em madeira enquanto a de Gutenberg tinha como base metais e ligas misturadas com chumbo, sendo bastante mais robusta e sofisticada. Daí que as obras impressas pela prensa de Gutenberg exibissem melhor detalhe técnico e assegurassem uma enorme qualidade nos caracteres e na resistência dos mesmos ao longo do tempo devido também aos pigmentos utilizados que tinham como base óleos específicos. A primeira impressão da Bíblia Sagrada terá começado a ser efectuada em 1550 e terminada só cinco anos mais tarde, um processo que apesar de lento já mostrava os seus resultados e a sua viabilidade. Em Mainz, no Museu Gutenberg, constam apenas um exemplar e meio destas primeiras impressões, pois cada bíblia teria dois volumes, apresentando-se assim os dois volumes de uma e apenas o primeiro de outra. O paradeiro do segundo volume desta última é desconhecido.
Numa época onde eram poucos os audazes e muitos aqueles que procuravam aproveitar-se das ideias de vanguardistas, Gutenberg envolveu-se em grandes confrontos com os investidores dos seus negócios e das suas invenções. Apesar de ser oriundo de uma família bastante abastada, o próprio teve que recorrer a outros burgueses que pudessem investir e permitissem desenvolver as suas técnicas, sendo que algumas dessas dissidências duraram até aos seus últimos dias de vida. Sabe-se que Johannes Gutenberg morreu em Mainz, a 3 de Fevereiro de 1958, apesar das incertezas quanto à data do seu nascimento. Contudo o seu legado fora suficientemente forte para que lhe fosse erguidas estátuas em sua homenagem (sendo que a principal se situa em pleno centro da cidade), uma Universidade fundada com o seu nome e que hoje se encontra na vanguarda da ciência, para além de ainda ter tido um papel preponderante na ciência numa época onde as luzes eram ainda muito poucas, dando também um contributo considerável para as primeiras movimentações da Revolução Científica anos mais tarde no século XVI.
Mainz é assim uma cidade que nos receberá sempre de braços abertos e que valerá sempre a pena visitar. A cultura, os locais de interesse e acima de tudo a influência de Johannes Gutenberg dão um toque especial a esta pequena cidade situada no coração da Europa. Apesar da sua menor visibilidade relativamente a outros locais na Alemanha, não deixa de ser um local de passagem obrigatório para quem queira alargar um pouco mais a sua bagagem de viajante mas também a sua cultura ao passar por uma região onde se contam histórias daquela que foi uma das mais belas invenções da humanidade e cuja inexistência faria com que os nossos dias deixassem de ter qualquer sentido. A imprensa, esteja ela hoje mais banalizada do que gostaríamos ou menos concisa do que seria suposto, sofreu alterações desde o momento em que saiu de Mainz para o mundo, globalizou-se, adaptou-se a outras técnicas e aos avanços tecnológicos, abrindo-nos assim todos os dias as janelas para a actualidade de um mundo que ainda permanece em constante mudança.