Famous Fest: o bom humor ao rubro no Capitólio
A 8.ª edição do Famous Fest ocorreu no passado fim de semana, no renovado Capitólio no Parque Mayer. Não abundam espaços para assistirmos a stand-up, os humoristas programam digressões, de uma forma quase autónoma, muitas vezes por própria conta e risco, e assim vamos assistindo a alguns espectáculos de stand-up, sem poiso próprio e sem agenda. É de louvar a persistência quer da entidade patrocinadora, The Famous Grouse, quer da promotora, H2N, que ano após ano têm feito crescer o Famous Fest, cujas sessões esgotaram muito antes da data.
A primeira noite arrancou com a Fugiram de casa de seus pais, com Miguel Esteves Cardoso e Bruno Nogueira a transporem, para o palco, o formato que pensaram para a televisão. Miguel Esteves Cardoso não tem, actualmente, o modo de vida de quem escreveu «O meu coração morre sozinho, como Deus quiser» no final d’O Amor é Fodido (Assírio e Alvim, 1994). O humor sarcástico, cáustico, mordaz e refinado já não se reflecte nas crónicas que assina semanalmente para o jornal Público, porque, como escreveu no prefácio da reedição de Explicações de Português (Porto Editora, 2013), «um homem felizmente casado (…) não escreve da mesma maneira que um homem isolado». Mas neste formato, e em conjunto com Bruno Nogueira, Miguel Esteves Cardoso volta à sua ironia perfeita, provavelmente agora reservada aos que lhes estão mais próximos, e relembra-nos porque, no seu olhar aguçado de uma mente brilhante, é um dos melhores críticos portugueses de sempre, da sociedade, da música e da cultura. Bruno Nogueira tem crescido enormemente a cada projecto seu, outrora o «puto alto» do Levanta-te e ri, é actualmente um actor, comediante, argumentista, etc. de alguns dos projectos mais interessantes da rádio, teatro e TV dos últimos tempos, como é o caso de Sara, que irá estrear na RTP2 já no próximo dia 7 de Outubro. Foi por esta amálgama de génios, de temas e de conversas, algumas mais disparatadas do que outras, que todo o público do Capitólio se regozijou, num arranque mais-que-perfeito do Famous Fest.
Vindo do outro lado do Atlântico – para uns já conhecido pelos seus espectáculos a solo ou pelo seu contributo generoso na porta dos fundos, para outros ainda uma pérola por descobrir – chegou-nos Rafael Portugal. O seu stand-up consistiu num método bastante simples, mas inteligente: comparar os dois países, Portugal e Brasil, que, apesar de algumas caracterítistcas em comum, como a língua, são bastante distintos e isso é sinal de riqueza. Aproveitou para nos contar as suas vivências na adolescência e para falar do que tanto gosta em Lisboa e dos portugueses. A química entre ele o público foi inquestionável. Foi um dos exemplos deste festival de que o humor é universal e que duas culturas podem encontrar-se num meio termo. Realmente um dos pontos fortes do dia.
Para terminar, A minha vida dava um filme (Ruim) juntou mais uma Gregório Duvivier, César Mourão e Filipe Melo em palco, aos quais se juntou o colombiano Gustavo Miranda, que também já participou na Porta dos Fundos. A premissa era a mesma, de três histórias de pessoas do público, fazer um improviso com início e fim em frases previamente estabelecidas. Não faltou quase nada, passámos por ódios a pessoas de clubes de futebol, procrastinação, prendas que não nos servem de nada, quezílias familiares e vernáculo gritado no trânsito. No fundo, todas as pequenas coisas que fazem com que a vida de todos seja, muitas vezes, um emaranhado filme de série B, muitas vezes ridícula, quase sempre com o humor que marcou esta sessão.
Na última sessão do festival, mais um trio, mas não um qualquer. O espectáculo começa com Pedro Teixeira da Mota. Ele é um jovem humorista que definiu uma carreira interessante e que, agora, tem o reconhecimento tanto do público como dos seus pares ao ponto de participar, não em género de abertura, no festival. Adaptou-se bem ao contexto: era o primeiro dos três, sendo os outros dois com uma carreira mais longa. Puxou todas as cartas, publicitou o podcast do Salvador Martinha e, o que realmente importa, fez o público rir! A seguir, entraram, em momentos distintos, Salvador Martinha e Luís Franco Bastos, dois artistas bastante conhecidos do público português. Cada um utilizou as suas melhores cartadas: um contador exímio de histórias e um interpretador de personagens através das suas vozes. Fecharam mais uma edição do festival, nas sessões principais, com qualidade e com muitos risos.
No final das sessões principais, houve sessões de stand-up com comediantes emergentes, nomeadamente André Martins, Hugo Subtil, António Coutinho e Pedro Durão. Se não há dúvidas de que serão eles quem irá ocupar o palco principal do Famous Fest daqui a algum tempo, é também verdade que os chavões há tanto disseminados no humor, como piadas com deficiências, capacidades de condução das mulheres, etc., já deixaram de ser apelativos. E é precisamente neste ponto que esperávamos e esperamos mais.
Texto: João Pinho e Linda Formiga