‘Arrival’, a ‘chegada’ de um excelente filme de ficção científica

por João Estróia Vieira,    27 Novembro, 2016
‘Arrival’, a ‘chegada’ de um excelente filme de ficção científica

Uma leitura na diagonal do plot pode levar-nos a acreditar que Arrival se trata de um filme unicamente centrado numa simples invasão alienígena. Não sendo totalmente mentira, Arrival foge facilmente ao estereótipo do género desde o primeiro segundo, usando a dita “invasão” para alcançar temas bem mais nobres e humanos. Fazendo parte de uma estirpe de categorizados e aclamados filmes de ficção científica mais recentes como Gravity ou o fabuloso Interstellar, estamos a falar de uma obra que se encontra, portanto, bem longe de qualquer tipo e espécie de proximidade com títulos como War of Worlds ou um qualquer Independence Day que pelas salas de cinema ressurja (pun intended).

Através da sequência inicial, com uma imagética quase poética estilo Terrence Malick, o director de fotografia, Bradford Young, mostra porque é um dos grandes pontos altos deste Arrival. Aí, passamos a conhecer a Dr. Louise Banks, mas sobretudo a sua filha, desde os seus primeiros momentos com a sua mãe até ao seu precoce falecimento. A esses planos próximos e de tons quentes, calorosos ante a presença da sua pequena filha, contrapõe-se o afastamento da câmara ao longo de praticamente todo o resto de filme. Uma propositada diferença causada pelo choque, pelo luto e pela tristeza. Um calculismo e frieza inalienáveis face a tão marcante episódio na vida de alguém.

As imagens do passado são interrompidas pela chegada de Louise, professora de linguística, à Universidade onde dá aulas. Mas, a notícia da chegada de doze naves alienígenas que se espalharam por vários pontos da Terra, causa o pânico entre as populações e um estado de alerta um pouco por todo o Mundo. Tudo isto é visto por nós quase através dos olhos de Amy Adams, que, dentro da sua personagem vai absorvendo toda a informação através da televisão e de outros meios, um pouco como nós no dia a dia.

Louise é interrompida no seu escritório pela chegada de um militar (Forest Whitaker) que a convida a tentar desvendar a linguagem utilizada pelos alienígenas com os quais já entraram em contacto. É este o grande desafio que Louise Banks e o Dr. Ian Connely (Jeremy Renner enquanto físico teórico) terão ao longo do filme, o de arranjarem forma de comunicar com estranhas figuras de heptapods (parecidos ao Pokémon Tentacruel). O primeiro contacto entre os personagens e estes estranhos seres é-nos mostrada de forma magistral, numa junção fantástica proporcionada entre os elementos do filme. Desde o acting de Amy Adams, o visual estético de Bradford Young até uma poderosíssima e atmosférica banda sonora do nomeado a Óscar Jóhan Jóhansson (com quem o realizador trabalha pela terceira vez, depois de Prisoners e de Sicario). Um total domínio de todas as ferramentas cinematográficas à disposição de Denis Villeneuve para nos dar assim o primeiro encontro humano vs aliens.

Os “visitantes” encontram-se num espaço amplo dentro de uma nave, com uma separação entre eles e a equipa de humanos que tenta comunicar com os mesmos. Esta divisão parece quase um ecrã sob o qual os heptapods deixam marcas circulares, a sua linguagem escrita (a falada parece-se com sons de baleia). O uso desta espécie de hieróglifos circulares não parece descaracterizada de propósito. São circulares por o tempo ser um dos factores essenciais na mensagem do filme e os círculos não terem início nem fim assinalável. Mas foquemo-nos no simbolismo desta parede em forma de ecrã. A comunicação (ou falta dela) é onde se foca a narrativa ao longo do filme (Louise Banks é, como já referimos, uma professora de linguística), e o objectivo é perceber “o que é que eles [heptapods] querem da Terra”? A escolha desta forma de contacto e a dificuldade que há num entendimento através desta parede transparente parece um motor para uma crítica a esta sociedade que vive “através” de ecrãs. Seja de TV, PC ou smartphones (onde há uns meses começou uma loucura que nos fazia olhar incessantemente para o ecrã para caçar – veja-se – Tentracruels, entre outros), há uma falta de contacto humano, de proximidade, de verdadeiro entendimento e de uma clareza e direcção olhos nos olhos de palavras que hoje em dia fazemos maioritariamente através da forma escrita (como os humanos e os aliens durante o filme).

A mensagem é simples: é através da comunicação e do diálogo, do real contacto cara a cara, que se chegam a entendimentos. Essa mesma simplicidade, no entanto, não retira um pingo da importância à mensagem do filme que usa de forma soberba a Hipótese Sapir-Whorf como condutor de narrativa enigmática do filme; a ideia de que o nosso cérebro é “reprogramado” com a aprendizagem de outra linguagem. Uma ideia interessante que conduz a história através do brilhantismo e humanismo de Amy.

Depois de Incendies, Prisoners e o fantástico Sicario, Denis Villeneuve continua aqui a provar porque é um dos mais excitantes e talentosos realizadores actualmente a trabalhar em Hollywood, ficando igualmente uma curiosidade redobrada pelo trabalho que se presta a lançar: Blade Runner 2049, um dos mais aguardados para o ano de 2017. Depois da fabulosa prestação de Emily Blunt em Sicario, Villeneuve encontra em Amy Adams a sua nova musa que carrega – tal como Emily fez em Sicario – o filme às costas. Sem desprimor pelos outros intervenientes, desde o “forçado” Forest Whitaker num registo autoritário esgotado e um Jeremy Renner sem muita chama, Amy ofusca os que a rodeiam com a sua sensibilidade e delicadeza. Mais uma poderosa interpretação da actriz que acaba o ano de 2016 em grande, sendo figura de dois dos melhores títulos nos cinemas actualmente: este Arrival e o elegante Nocturnal Animals, de Tom Ford.

Arrival, que em português significa “chegada”, não é sobre a simples chegada de seres verdes (ou outra cor à escolha da nossa imaginação). É sim a “chegada” de um dos mais inteligentes e originais filmes de ficção científica em largos anos. Um filme desafiante para os espectadores, cujo propósito é estimular intelecto, meter a pensar “fora da caixa” (fora da redoma pré-formatada e facilitada subjacente à maior parte do cinema comercial) e, sobretudo, incitar ao diálogo. E o mais impressionante é que Denis Villeneuve consegue tornar este puzzle narrativo (como Prisoners também o era) que é Arrival em tudo isto a que se propõe, e mais alguma coisa (de brilhante). Um blockbuster de degustação lenta e para o “paladar intelectual”.

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