Janine da Silva: “Não há qualquer protecção social para um bolseiro”
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“Total perplexidade”. Foi assim que a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) recebeu o comunicado do Conselho de Ministros, do passado 21 de fevereiro, que altera do Estatuto do Bolseiro de Investigação e reformula “as condições para a atribuição de bolsas de pós-doutoramento”, limitando-as a um máximo de três anos, reforçando, na teoria, a política de que os contratos de trabalho sejam a norma para quem faz investigação em Portugal. Estas alterações surgem no contexto de uma campanha contra a precariedade na Ciência que o governo anuncia desde que assumiu funções e está prometida no seu programa.
Para a ABIC, nada que não seja a revogação do Estatuto do Bolseiro e o fim das bolsas fica longe de cumprir o fim da precariedade. A vida laboral de milhares de pessoas que fazem investigação científica em Portugal faz-se desta maneira: sem contrato de trabalho, sem subsídios e com quase nenhuma proteção social.
Apesar de não ter resolvido o problema de há décadas, este governo deu passos nessa direção. Criou o PREVPAP, Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública, que tem como objetivo integrar precários do Estado em situação irregular, oferecendo-lhes contratos; e o Concurso Estímulo ao Emprego Científico, que tinha como objetivo estimular a contratação de doutorados.
Nenhuma destas medidas foi cumprida na sua totalidade (e estava previsto que já estivessem terminadas), quando estamos a menos de um ano do final da legislatura. O cumprimento do PREVPAP sofre, desde o seu parto, de grandes pressões por parte de quem manda na Ciência. Em comunicado, em março de 2018, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) escreve: “O CRUP entende que o PREVPAP, Programa de Regularização de Vínculos Precários na Administração Pública, constitui um procedimento que não garante o princípio do mérito como critério de entrada na administração pública. (…) Não obstante, a missão das universidades pressupõe uma rotação elevada dos seus investigadores e bolseiros, o que exige uma formação especializada dependente de durações temporais elevadas, que não deverá ser confundida com necessidades permanentes”. A presidenta da ABIC, Sandra Pereira, denunciou práticas de boicote institucional.
Quanto ao Concurso Estímulo ao Emprego Científico, parece ter sido, até agora, pouco mais do que uma boa ideia: na primeira edição, de 2017, apenas 515 investigadores, dos cerca de 4000 candidatos, receberam parecer positivo. Ficaram 3500 pessoas de fora. E, mesmo as que foram abençoadas com um contrato, ainda hoje, passado mais de um ano desde a abertura das candidaturas, esperam que seja assinado ou por receber o seu primeiro subsídio.
Mas nada disto impediu o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, de vangloriar-se, numa entrevista dada ao Público, a 1 de fevereiro, por ter atingido o pleno emprego de doutorados em Portugal. Janine da Silva, investigadora em ecologia, ex-bolseira de investigação na Universidade de Évora e ex-doutoranda de Biologia Molecular e Ambiental na Universidade do Minho, considera as palavras do ministro “uma afronta”. Nesta entrevista, falamos sobre os avanços e recuos deste governo no combate à precariedade na Ciência e de como é fazer investigação em Portugal sem estabilidade e direitos laborais.