“Carta aberta aos meus papás” regressa ao GrETUA no dia 10 de Junho
O Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro (GrETUA) leva à cena no dia 10 de Junho (segunda-feira) uma das suas mais recentes produções originais: “Carta aberta aos meus papás”. A peça surge como sátira ao género de ficção mais breve e superficial que vamos consumindo — a sitcom — e reflecte sobre a importância do teatro na formação de seres humanos mais conscientes de si e do outro.
Os intérpretes desta peça são alunos do curso de formação teatral proporcionado pelo GrETUA no ano lectivo 2018/2019. Com um corpo docente constituído por Teresa Queirós, Nuno Pino Custódio, Liliana Garcia, Bruno Dos Reis, António Júlio e Paulo Calatré, o curso foi lecionado em vários módulos, cobrindo disciplinas como Interpretação, Voz e Movimento, e pretendeu dotar os alunos com as competências necessárias a uma iniciação à interpretação dramática.
Com um texto original de Bruno Dos Reis, encenação de João Tarrafa e Nuno Dos Reis, e interpretações de Beatriz Fonseca, Beatriz Souza, Catarina Bon de Sousa, Catarina Reis Amorim, Eduardo Queirós, Gabriela Cavaz, Joana Ratola, João Costa, Pedro Sottomayor e Ricardo Albuquerque, a peça que se apresenta agora, até dia 16 de Junho, é resultado deste processo, marca indelével do GrETUA que é, há quarenta anos, casa de formação artística por excelência.
Carta aberta aos meus papás debruça-se sobre a dificuldade que estes jovens encontram, ao iniciar-se na interpretação de uma personagem, em descobrir o que fazer com as mãos, com os olhos, com a voz, com o corpo. O Teatro suscita, então, este pensamento: quão desatentos temos que estar do que nos rodeia para não conseguirmos sequer intelectualizar o que de mais próprio temos? “Parece-me óbvio que necessitamos, cada vez mais, de ferramentas que nos permitam formar uma consciência introspectiva, sobretudo em tempos que fomentam a acumulação desregrada de informação.“, afirma Bruno Dos Reis, director artístico do GrETUA e autor do texto, que vai mais longe dizendo: “a natureza do nosso trabalho no GrETUA nos últimos anos permite-nos, talvez, uma noção mais aproximada da velocidade do crescimento deste problema: cada vez mais nos chegam jovens menos preparados para lidar com o seu próprio corpo, para interpretar não só o próximo como o pessoal — e julgo que isto é, com certeza, resultado daquilo a que expomos os nossos jovens, dia sim, dia sim.“.
Nesse sentido, a peça, que acompanha a interacção de um grupo de jovens numa festa de aniversário em busca de um saco de cocaína perdido no quarto de um sexagenário, satiriza o popular e contemporâneo modelo de sitcom: “Não penso que seja novo para ninguém, em 2019, dizer que a televisão e as suas formas sucedâneas são criadoras de hábitos, formas e sensações que condicionam não só o nosso comportamento como a nossa psique, que por sua vez condicionam aquilo que desejamos ver na TV e nas suas formas sucedâneas.” – uma “bola de neve” que o formato contemporâneo das sitcoms ilustra bastante bem – “comédias de situação (em geral sem mais conteúdo do que o aparente) em que o problema é apresentado nos primeiros cinco minutos e atinge o seu clímax e resolução nos 20 minutos seguintes. Junto a isto a tendência para que as séries se têm voltado com cada vez mais frequência: a falta de resolução do clímax, a suspensão da resolução do problema apresentado, a criação de ansiedade até ao próximo episódio e, por vezes, até à próxima season. Não sei bem o que será o resultado disso, mormente porque também me afecta profundamente, mas julgo que é importante fazer essa pergunta.“.
Estamos perante uma questão geracional, reflecte Bruno Dos Reis, “sobretudo quando volvidos meses de trabalho nos apercebemos que não é apenas uma fortuitidade da natureza ou da falta de talento de determinado grupo. Pelo contrário.” à qual o Teatro pode responder: “este ano chegaram-nos jovens com um chão baixíssimo, com bases baixíssimas, e a maioria atingiu tectos que ultrapassam em muito os de anos anteriores. Há, portanto, muita tristeza nisto, vingada com muita felicidade depois de muito trabalho. Nosso mas sobretudo deles. Maravilhosos, jovens maravilhosos.“.
Este esforço de formação é intrínseco ao ADN do GrETUA, mas cada vez mais o desafio é criar estrutura. “Acho que, mais importante que formar pessoas, o que é importante é que o GrETUA consiga formar pessoas que consigam formar pessoas. Depois disto vem outro problema, que é o GrETUA ter-se tornado refém da qualidade e quantidade que tem apresentado nos últimos três anos.“. Manter este nível de uma forma sustentada apresenta à geração actual o desafio de deixar “mais do que apenas um legado artístico: novos jovens com talento e com espírito de sacrifício, sim, mas também ferramentas para que consigam trabalhar no sentido do crescimento. Isso é algo que passa por mais lugares que o GrETUA.“.
Lança-se assim o repto aos parceiros: “passa pela autarquia — que já tem feito bastante dentro das suas possibilidades legais, dado que o GrETUA não tem representatividade legal própria. Passa pela Associação Académica, que tem que ter uma visão alinhada com as destes jovens, o que envolve um enorme exercício de reflexão, diálogo e humildade e, mais do que isso, por fazer os possíveis para que o seu patronato continue a ser mais uma vantagem do que um embaraço, como já o foi em alguns anos, e acima de tudo um objectivo prático e inatacável por parte da reitoria da Universidade de Aveiro que tem aqui, de facto, uma galinha de ovos de ouro, sobretudo quando isto já se tornou mais do que um ponto de formação e é, neste momento, um ponto de atracção da própria universidade. Alcochete deu no que deu, que é em nada, é preciso não deixar morrer o Seixal. Estamos falados, Misteres?“.
Recados entregues, importa ir ver o resultado do trabalho destes “maravilhosos, jovens maravilhosos“, resgatados da catatonia da televisão e da sitcom, reencontrados na autoconsciência do palco do Teatro, em Carta aberta aos meus papás, no GrETUA de 10 a 16 de Junho.
Os bilhetes custam 4€ para estudantes e 6€ para não estudantes. Podes reservar por aqui.