“Os Cadáveres são Bons para Esconder Minas” fala-nos da guerra, das guerras todas, mas em especial da guerra do ultramar

por Sandra Henriques,    6 Novembro, 2022
“Os Cadáveres são Bons para Esconder Minas” fala-nos da guerra, das guerras todas, mas em especial da guerra do ultramar
“Os Cadáveres são Bons para Esconder Minas” / Fotografia de Carlos Gomes
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Cinco homens (cinco rapazes) surgem ao longe na penumbra e começam a vestir-se para nos falar de como esta peça vai ser: nua, crua.

O texto, baseado em testemunhos reais e escrito por Jorge Palinhos, fala-nos da guerra, das guerras todas, mas em especial da guerra do ultramar, aquela guerra de que nos habituámos a ouvir que ninguém quer falar e que trouxe os seus traumas para Portugal, nos que lá estiveram, na memória coletiva e para as famílias. Uma dessas famílias é a de Isabel Craveiro, a encenadora (e diretora d’O Teatrão), filha de um ex-combatente.  

Cinco rapazes partem para a guerra expectantes e receosos. Porque assim quiseram, porque foram obrigados, porque alguém quis por eles. Cinco rapazes, meia dúzia de tábuas, outra meia dúzia de barras de metal e algumas roupas é tudo o que temos em palco. A luz e os ambientes sonoros/música fazem o resto numa encenação minimalista e despojada, nua, onde o trabalho de ator é quase tudo. E que trabalho fascinante tem estes cinco.

“Os Cadáveres são Bons para Esconder Minas” / Fotografia de Carlos Gomes

Afonso Abreu, David Meco, Diogo Simões, João Santos, Teosson Chau tem, nesta encenação, um espaço para “brincar ao teatro” que fará inveja a muitos atores, tal como os jogadores de futebol a tem daquelas crianças que jogam à bola na rua sem compromisso. Brincar a sério: um viver da personagem com as camadas que a compõem, das mais superficiais e divertidas às mais densas. O ambiente, mesmo nos momentos de natural animação entre os jovens e enérgicos soldados, transmite-nos sempre uma certa solidão incompreendida, uma desagregação interna de quem nos está a contar a história, os ex-combatentes relembrando o seu passado.

Saímos com um nó na garganta porque gradualmente tudo vai ficando mais negro e visceral (literalmente), mas desengane-se quem pensa que só de sangue, suor e lágrimas se faz esta viagem. Não, esta viagem tem de tudo: alegria e desespero, felicidade e sofrimento, sucessos e falhanços, vida e morte, tudo comunicado com a plateia com uma delicadeza balanceada e limpa, sem que uma coisa atropele a outra.

As interpretações (e esta peça é física e psicologicamente muito puxada para o ator) e o jogo entre os atores, são ricas e prendem-nos, do início ao fim. Mérito deles e mérito da encenação e texto que os fazem brilhar com estratégia aparentemente simples. Mérito do desenho de luz, da sonoplastia, dos cenários e dos figurinos, de toda a equipa. Nesta peça tudo está ali para servir um propósito bem específico: falar, expurgar os males da Guerra do Ultramar, tentar sarar uma parte das feridas que nos ficaram — em cada um e na sociedade como um todo.

Há aqui um objetivo maior que a própria peça em si, tal como aquele personagem (enfermeiro na guerra) que nos diz que nem ouviu o tiroteio porque naquele momento a sua única missão era salvar vidas.  

“Os Cadáveres são Bons para Esconder Minas” é o nome da nova criação d’O Teatrão e está em cena em Coimbra, na Oficina Municipal de Teatro, até dia 13 de Novembro.

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