‘Quiet Signs’, de Jessica Pratt, é música leve sem lugar nem tempo
Quiet Signs abre com “Opening Night”, algo que faz todo o sentido: é a canção que abre um dos álbuns mais nocturnos que ouvimos nos últimos tempos. A melodia simples parece desempoeirar as cordas de um piano não tocado há muito tempo, como se Jessica Pratt nos estivesse a mostrar um lado de si que ainda não conhecemos. Revela-o logo na belíssima capa, em que nos olha de frente, com uma expressão leve, casaco entreaberto e sem grandes artifícios, dentro de um quarto que parece bem mais amplo do que aquilo que realmente é. O olhar, ao de longe, é confrontacional de uma forma suave, sendo amenizado pela composição da fotografia, o ligeiro grão da mesma e a luminosidade baixa. Na verdade, a capa revela-nos muito acerca das músicas que compõem o álbum que ilustra.
Sendo este o primeiro álbum que Pratt grava em estúdio, acaba por resultar de diferentes métodos e abordagens à composição e gravação de canções. Mas nem por isso perde o intimismo a que estamos habituados após os dois álbuns anteriores. A produção é mais polida, mas retém uma certa aura rústica, que aquece os ouvidos e a alma. É um bálsamo tranquilizante para o bulício dos dias e, tendo em conta os seus meros 27 minutos, apetece ouvir uma e outra vez.
A melodia de “Opening Night” desemboca na canção seguinte, “As the World Turns”, em que nos apresenta a sua voz com clareza pela primeira vez no álbum. O seu timbre acompanha a melodia calma como se o de uma ninfa se tratasse, às tantas acriançado, outras tantas sábio e intemporal, assim como o ruído inerente à gravação parece acompanhar a canção como um rio. No entanto, apesar da música de Quiet Signs parecer vir de uma pequena cidade pacata, não é particularmente bucólica, dá-se bem em quase todo o sítio. Os diferentes estímulos e impressões que transmite nos variados contextos em que é ouvida dão a ideia de esta ser música sem lugar nem tempo.
São raras as ocasiões do álbum em que as coisas aparecem de chofre. Mesmo em “Crossing”, cuja guitarra a puxar a um alaúde é talvez a mais dramática e intensa da colecção, Jessica quase parece pedir-nos perdão por ser tão directa, murmurando suavemente no pré-refrão. Para além da guitarra e voz ao centro (fora a canção inicial), tudo o resto surge levemente, pequenos detalhes que enriquecem as canções, seja o órgão que suporta e faz “Aeroplane” pairar, o sintetizador sonhador do single “This Time Around” ou a flauta mística do final de “Fare Thee Well”. Estes são pormenores felizes que pedem um sorriso.
A simplicidade das melodias não lhes retira o impacto emocional e revela como Jessica Pratt consegue fazer algo tão bonito com poucas ferramentas. Veja-se o minúsculo arpeggio de piano após a frase “Oh, I’ve thought of it time to time / Our stolen city sighs / I’ll lose him, how do I?” em “Here My Love”, um mero segundo que eleva o refrão e o deixa a ecoar na mente. Até a forma como o piano aparece inicialmente, ao de leve, demonstra a sua sensibilidade de compositora. Há ainda “Poly Blue”, o centro luminoso do álbum, que confia simplesmente no dedilhar da sua melodia solarenga para cativar, atirando uns leves sintetizadores e flauta lá pelo meio para exacerbar aquele mood de cama de rede à beira da praia.
Quiet Signs é daqueles álbuns que ficam como o estandarte de uma certa disposição musical. Aqueles álbuns em que pensamos quando nos apetece ouvir algo que conjure um certo ambiente ou que coadune com aquilo que sentimos naquele momento. O momento fica a cargo do ouvinte; Jessica Pratt fornece a banda sonora.