Frankie Cosmos na Zé dos Bois: sentirmo-nos vivos e em boa companhia
Na companhia de Frankie Cosmos, a Zé dos Bois transformou-se na noite do passado domingo num quarto acolhedor, refúgio do mundo. A indie pop da banda nova-iorquina, na sua peculiaridade inocente e desconcertante, é proposta de empatia e reconciliação. Faz-nos bem ouvir música ser tocada com tanto carinho.
A música de Frankie Cosmos tem identidade própria. Não tem sabor a genérico. Com uma vasta discografia que ao longo da década se foi progressivamente afastando do lo-fi para um som mais límpido, mantendo por constante uma espontaneidade e frescura quer ao nível da composição quer da performance. De independente, para a micro-editora Bayonet; e em 2018 vê o seu último trabalho ser lançado pela Sub Pop, uma das grandes do panorama alternativo. Os temas da banda – curtos, a rondar a média dos dois minutos, por vezes menos – constituem-se como microcosmos que parecem construir-se a partir de um par de ideias postas em diálogo. Greta Kline e os seus companheiros afloram essas ideias, mas parecem ter alguma reserva em explorá-las. Daí o formato síntese que é marca do trabalho criativo do grupo (ou, devíamos dizer, de Greta – todo o trabalho de composição tem por autora a líder do projecto).
A primeira banda a subir ao palco da Zé dos Bois é IAN SWEET. A vocalista e guitarrista Jilian Medford apresentou-se sozinha, em formato minimalista, antes de no último par de temas se ter feito acompanhar pelo baixista e baterista de Frankie Cosmos. Em termos estilísticos, a música de IAN SWEET não está distante da banda que trazia ali a maioria do público; mas ainda assim é mais desenvolvida, com um mais acentuado sentido de progressão, dando tempo para digerir e deixar entranhar as suas sequências. A guitarra, distorcida e ecoante, convida a um passeio pelo espaço vasto de cada tema. Ficou semeada a vontade de descobrir a música da banda californiana.
Já Frankie Cosmos, da costa oposta do continente americano, apresentam-se com menos artifícios e uma sonoridade menos expansiva. Jogam no campo do minimalismo – pese embora ao nível rítmico os temas tenham a sua complexidade. A banda apresenta-se bem-disposta, comunicando entre si nos intervalos das canções, numa setlist que parece improvisada à medida da intuição de Greta Kline. A descontracção é evidente, pelos risos ao longo do concerto, pela conversa casual (“quem esteve em Paredes de Coura connosco no verão passado?”, pergunta o baterista a data altura, em português!).
O concerto vive-se num ambiente de palpável intimismo. Seja álibi disto mesmo a interpretação de “Duet”, que ao vivo surge tão bonita quanto a versão de Vessel. Greta confessa-se doente e pede desculpa pela voz naquela noite (não teríamos notado nada se não tivesse dito); partilha que adora os azulejos de Lisboa; e deixa um shout-out aos cadernos de Emílio Braga, que por pouco não foi buscar à sua mala nos bastidores.
Destaque para “Outside With The Cuties”, cujo final se deixa prolongar num desfecho bonito e inspirado; assim como para “Fool”, cantada em uníssono pelo público. Mas é “Being Alive”, talvez, o melhor momento da noite. A música vai drenar energia a cada um dos membros, desde logo pelo começo acelerado que põe a plateia aos saltinhos (o diminutivo é aqui usado de forma deliberada, porque nos dá a sensação que num concerto de Frankie Cosmos tudo ser convertido em inocência e candura). A canção inclui um dos meus momentos preferidos da carreira da banda: a alternância das vozes no último refrão. Primeiro a de Greta, depois a da teclista, depois o reaparecimento surpreendente de Julian dos IAN SWEET, e a conclusão pela voz abafada e contrastante do baixista. É uma passagem partilhada que faz jus à mensagem da canção, e da discografia do colectivo. Há muita partilha no intimismo de Frankie Cosmos. Trata-se de um quarto partilhado, onde todos nós temos lugar.