O que querem os jovens hoje em dia?
As preocupações, as responsabilidades e os sonhos dos jovens mudam consoante os tempos e as gerações. Devido à enorme afluência de informação na internet e nas redes que transbordam nos dispositivos electrónicos usados por todos, actualmente, não é fácil precisar o que preocupa esta geração, principalmente porque não existem pontos em comum nas diversas geografias do globo. Exactamente por sentir dificuldade em explicitar esta problemática, é-me mais fácil, sendo eu próprio um jovem universitário, abordar a questão dos novos encargos e sonhos que surgem, mais especificamente, durante a transição da adolescência para a vida adulta e as diversas dinâmicas que ocorrem nesse mesmo período.
Nascemos pobres ou ricos, no interior ou no litoral, num país de terceiro mundo ou num local próspero, numa família de e(i)migrantes ou já enraizada há gerações, dentro ou fora da zona Euro, com pais artistas ou académicos da área das ciências; tudo isto, quer queiramos quer não, define de alguma forma o que podemos ser no futuro, sendo esta a primeira divisão criada pelo “sistema”. Dito de outra forma, estas são circunstâncias castradoras – não incluo as questões culturais ou dos valores familiares -, exactamente pelo facto de a sociedade querer limitar as nossas acções: nascemos com um nome, um número de cidadão, um contexto socioeconómico e um propósito. Antes sequer de querermos entrar no sistema a que chamamos de sociedade, já o fizemos e é impossível à maioria das pessoas tomar as suas próprias decisões, definir o seu percurso e agarrar os seus objectivos.
Se reflectirmos na forma como o nosso ensino está estruturado, encontramos mais um obstáculo que confina as nossas metas a um conjunto demasiado limitado de opções. A partir do momento em que um jovem entra na escola secundária e tem de escolher uma área de estudo, esta decisão pode definir de uma forma crucial o seu futuro. E, ao decidir, limita-o sem se aperceber. O percurso que prossegue esta decisão é, em geral, demasiado a direito, já que a área de estudos não muda, nem mesmo no ensino superior. Para além das limitações a nível profissional – terá dificuldades em ingressar em diferentes áreas, tendo em conta as capacidades aprendidas muito limitadas e especializadas -, estas escolhas têm um impacto no estado psicológico do jovem. Por outras palavras, a satisfação e felicidade do jovem dificilmente serão alcançadas, porque todos os seus desafios, e, até, o seu percurso, se resumiram a um conjunto de exames e de conhecimentos quase todos memorizados friamente. E tudo porque o sistema está, citando Maria José Sbrancia, “empenhado em acelerar a integração do aluno no sistema laboral” (do artigo “Devolvam-nos a possibilidade da abstracção” da autora, publicado na Revista Electra n.º 5), em vez de os integrar na sociedade. Ora, um jovem infeliz, sem valores e sem capacidades de socialização, que não teve tempo para se cultivar das inúmeras formas possíveis e para criar um percurso de decisões diversificadas e saudáveis, dificilmente vai ser uma mente produtiva, inovadora e com sentido crítico. Por consequência, inúmeros jovens saem de uma fábrica a que chamamos universidades e politécnicos sem um sentido de responsabilidade no que toca aos problemas da comunidade.
Em Portugal, vários factores contribuem para crescermos até mais tarde e para criarmos um sentido de compromisso: somos mais acarinhados pelos nossos pais, mais protegidos pelo sistema relativamente às nossas escolhas de carreira, é mais fácil entrar no ensino superior, há menos doenças mortais, não enfrentamos uma guerra ou uma ditadura, criamos uma relação cada vez mais tardia ou até reduzida com a natureza e o meio envolvente, somos cada vez mais isolados de certas temáticas ou palavras, e é cada vez mais fácil conhecermos outro país. Desta forma, não há necessidade de criarmos resiliência tão rapidamente para enfrentarmos novos obstáculos e acarretar novos compromissos, não obtendo, mais cedo, independência financeira e emocional. Se olharmos para as gerações dos nossos pais e avós, vemos que a maioria deles não entrou no ensino superior, tendo muitos até só completado a quarta classe. Por isso, entraram no mundo do trabalho muito cedo, o que fez com que adquirissem uma maturidade antes do tempo, certamente mudando a forma como olhavam para o mundo e para os seus objectivos; as responsabilidades fazem com que os nossos sonhos se adaptem e sejam mais humildes. Sonhar é para os privilegiados.
A ilusão de conforto das novas gerações não leva necessariamente a um estado de felicidade garantido e imutável. Aliás, diria que é bastante efémero. A falta de independência faz com que tenhamos menos ferramentas para enfrentar o mundo do trabalho e os obstáculos naturais da vida. Se formos ver certas estatísticas que reflectem a realidade de países desenvolvidos, a primeira reacção é de regozijo: menos analfabetismo, mais jovens com um grau superior, mais mulheres no mundo do trabalho, menos mortalidade infantil. Mas isso tolda, na realidade, um outro lado da moeda menos simpático: os jovens, em Portugal, saem mais tarde da casa de seus pais (no ano de 2017, os valores rondam os 28,9 anos), o que resulta num maior encargo das famílias para suportar os custos dos filhos. O que podemos retirar destes dados? Serão os jovens de agora menos corajosos, tendo em conta as ferramentas que lhes são disponibilizadas? Talvez seja ainda mais dramático: uma ausência de motivação e confiança nas respectivas capacidades impede-nos de querer entrar no dito mundo dos adultos e de encarar os seus desafios.
A globalização tem um impacto muito grande na forma como os jovens olham para a sua vida, para o seu futuro e para o planeta como um todo, que não é facilmente quantificável, até porque provavelmente só daqui a uma década os estudiosos poderão retirar as devidas conclusões. Ainda assim, afirmo com confiança que uma das consequências deste fenómeno é, no presente, termos maiores responsabilidades como um todo. Refiro-me à sociedade em geral, mas é importante frisar que os jovens têm um papel crucial a desempenhar em lutas como o aquecimento global, o terrorismo, a perda de direitos das minorias ou o ressurgimento da extrema direita nos países ditos civilizados. Porém, como é que os jovens olham para estas dinâmicas que afectam o planeta ou os países da UE? Ora não as detectam por viverem num estado de completa anestesia, ora não têm a capacidade para as enfrentar. E ambas as situações são perigosas, porque tanto mostram uma total inércia e desinformação como uma completa imaturidade para enfrentar os desafios que a sociedade nos impõe. Para além disso, existe outro aspecto importante de ressalvar: como é que nos vamos unir se não conhecemos o nosso colega de trabalho, o nosso concidadão ou uma pessoa que vive a milhares de quilómetros, noutro país, onde a cultura e os ideais são completamente diferentes? Como lutar por algo ao lado de desconhecidos? Será uma questão de fé, de um objectivo comum, de um sentido de humanismo ou de responsabilidade por um um planeta que partilhamos há milhões de anos? Doutra perspectiva, a dos adultos, Remo Bodei escreveu, “Como reduzir gradualmente a distância entre a realidade e a esperança individuais e colectivas? Como transmitir às gerações futuras uma sociedade mais justa e um planeta cujo solo, água e ar não estejam contaminados?” (“Que responsabilidade para com as gerações futuras?”, Revista Electra n.º 5).
Convencer os jovens a irem votar ou a não votarem em propostas facilitistas, a acreditarem na ciência, a não poluírem, a informarem-se e a fazê-lo de diversas fontes credíveis – cada vez mais os jovens informam-se através das redes sociais e grupos de trocas de informações -, a cultivarem-se no que toca às diferentes artes, a interessarem-se pela comunidade, ou seja, a mudarem o sistema, nuns casos, ou a lutarem por ele, noutros tantos, e a não viverem só o momento passageiro das redes sociais, não é uma percurso nada fácil. Porém, depois de serem convencidos quanto à importância destas lutas e o respectivo papel nelas, certamente o mundo ficará melhor, disso tenho eu a certeza. E, para terminar, cito, mais uma vez, Remo Bodei, “Para dar um futuro às gerações futuras, e também às gerações mais jovens, será indispensável um grande processo de educação para a consciência e de aplicação da inteligência e da imaginação” (“Que responsabilidade para com as gerações futuras?”, Revista Electra n.º 5).
A revista Electra é um projeto da Fundação EDP lançado em março de 2018. É uma revista trimestral de pensamento e de crítica, conta exclusivamente com trabalhos originais de pensadores nacionais e estrangeiros. É editada em português e em inglês. A revista é vendida nas bancas, em livrarias, na loja do MAAT e online (aqui).