‘Sócrates tem de morrer’ – o poder do teatro é ser ao vivo
“Sócrates tem de morrer” estreou este dia 12 de Janeiro no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, e terá uma nova apresentação esta sexta-feira, dia 13. É uma peça que deixa vontade de ver o próximo capítulo, e o bom é que o próximo capítulo existe, apesar de ainda não estar agendado. A peça, encenada por Mickaël Oliveira, é a primeira de uma tetralogia escrita pelo mesmo e merece a nossa atenção.
Sócrates tem de morrer e Sócrates quer mesmo morrer. Condenado à morte por “corromper a juventude com os seus discursos radicais”, não tenta pagar, fugir ou reclamar da sentença. Escolheram que ele morresse e ele aceita também porque acredita que a morte do corpo é a libertação da sua consciência e a via de encontrar uma verdade mais pura. Mas, além de um filósofo, Sócrates é um respeitador das regras e, como são as festas da cidade, nas quais ninguém pode ser executado, aguarda pacientemente que elas acabem para enfim morrer. Durante os dias de espera, alguns amigos tentam demovê-lo da sua decisão de morrer e até arranjam apoio dos guardas da prisão para que ele possa fugir, embora o filósofo não queira. Acredita com toda a sua fé que o seu conhecimento sem corpo será maior e recusa tudo o que possa ir contra essa vontade de morrer em corpo. A história tomada como verdadeira conta que Sócrates foi condenado e não morreu por execução mas sim por suicídio com veneno.
É um espectáculo muito bem articulado, onde cada uma das partes que o compõe – texto, atores, encenação, luz, cenário, som e figurinos -, funciona em harmonia com as outras, integrando até uma pequena atuação do músico Diogo Ribeiro. O palco está totalmente exposto com um chão branco, uma mesa e cadeiras. Pernas laterais e bambolinas desaparecerem e o que vemos é um palco imenso todos despido, com projetores, varas, teia e paredes à vista. Tudo indica que há a ausência de artifícios e a verdade é que tudo parece muito real. As interpretações de Ana Bustorff, Maria Leite, Pedro Lacerda e Paulo Pinto, que usam os seus próprios nomes, são muito boas e Albano Jerónimo (protagonista) é magnetizante – o ator tem, nesta peça, a capacidade de nos fazer esquecer que Sócrates é um personagem.
Diferente de muito do que se tem visto em teatro nos últimos tempos, é uma criação que faz pensar e compreender a lógica de ideias que nos parecem menos sãs. Encenador e atores correm riscos e fazem o que em cinema seria mais normal mas que em teatro, em direto, ganha uma nova dimensão capaz de deixar a plateia em suspenso à espera do que vai acontecer e com vontade de ver a próxima parte. Esperamos por ela.