O Tivoli foi a casa de Luísa Sobral
Dez candeeiros, de diferentes formas e feitios, vão-se acendendo progressivamente à medida que a banda ocupa as suas posições e começa a musicar o espaço. O Teatro Tivoli, praticamente esgotado, acolhe entusiasticamente a entrada de Luísa Sobral. A artista faz em Lisboa, na noite de 1 de Fevereiro, o segundo concerto de apresentação do seu quarto álbum, Luísa, lançado em Novembro passado. O primeiro concerto ocorrera dias antes em Aveiro; mas em Lisboa é diferente, confessa a cantora. Em Lisboa está em casa.
Ao longo da noite, com o seu jeito comunicativo e a sua simpatia inata, opta por uma abordagem que envolve o público. Faz breves introduções antes de cada canção, por vezes contando uma história que a mesma esconde. E se o início parece um pouco tenso, à quarta canção já Luísa Sobral faz a plateia rir, e dança animadamente como talvez não estejamos habituados a vê-la: nos primeiros quinze minutos, passa do contido balançar de pernas à mais intensa sessão de exercício físico dos seus últimos 7 meses, segundo as suas palavras – isto é, desde o nascimento do seu filho.
Traz vestida uma camisa escura com motivos florais, feita pela própria mãe. E é à mãe, e a uma amiga, que dedica o tema Janie (uma das melhores canções do novo álbum). Ao longo do concerto, vai repetindo que naquela noite hão-de ser só praticamente os seus amigos a encher os lugares do teatro. E é verdade, porque se alguém ainda não fosse seu amigo, provavelmente terá passado a sê-lo. A certa altura já a barreira entre o palco e o público se encontra esbatida, com canções pedidas, agradecimentos e reacções espontâneas. Também presente estava muita da sua família, e Luísa chama o irmão Salvador Sobral para interpretar consigo duas canções a meio do concerto.
Musicalmente, a artista tem vindo a evoluir. Se o seu primeiro álbum estava mais marcado pelo jazz, este último é exemplo de uma maior diversificação de géneros; podemos identificar algumas canções folk, outras blues. A maioria parece estar num cruzamento entre os diversos géneros. E se alguns dos arranjos, a certa altura, nos parecem um pouco genéricos ou similares entre si (pelo menos no contexto do concerto), há apontamentos preciosos que vão fazendo a diferença. A meio da interpretação de Rainbows, podemos assistir a um momento pouco habitual na discografia da artista, com um ambiente caótico e fantasmagórico montado numa questão de segundos; e, ainda mais bonito, o final de Stormy Weather, interpretada em conjunto com o irmão Salvador, cuja interpretação faz transcender o término da música para um espaço absolutamente mágico. A interpretação inesperada de Hello, de Adele, acompanhada apenas a percussão, é prova da sua ambição e criatividade artística. E os músicos, sempre à altura; terei talvez de destacar a importância do guitarrista, Mário Delgado, que faz parte do grupo há menos tempo, mas já trouxe uma marca tão importante à sonoridade do conjunto. São muitos os momentos em que a guitarra, muito inspirada, assume a liderança.
Sabe particularmente bem ouvir Luísa Sobral em português. Quer com as suas próprias letras, quer com as duas contribuições de João Monge. Ouvir Jardim Roma, ou Cupido, é experienciar uma brincadeira entre as palavras e a música; a língua e a melodia ao serviço de algo comum. Houve tempo para o já clássico Inês, para a divertida Paspalhão, e para o conhecido Chico – tema que pôs gente a dançar na primeira fila. Quando canta João, do disco que fez para miúdos e graúdos, oiço na fila atrás de mim a voz entusiasmada (e afinada) de uma menina que talvez tenha passado o concerto todo à espera daquela canção. Ficou à vista que as histórias e as melodias nos conquistam, envolvem, e implicam.
A nova persona musical de Luísa, como apelidou o próprio irmão, conquistou a plateia do Teatro Tivoli. É a mesma voz tranquila e tão característica de sempre, mas mais madura e confiante. Dois momentos marcam muito o final do concerto, um no primeiro encore, outro no segundo (o público não deu tréguas). Neste último, a arista senta-se nas escadas do palco para a plateia, e canta à guitarra Para Ti, escrita para o filho. É uma canção muito forte, e que é interpretada com uma ternura, fragilidade e risco que terá deixado poucas pessoas indiferentes na sala. Já em I’ll Be Home With You Tonight, Luísa Sobral ao piano, também sozinha em palco, interpreta uma canção que compôs na Alemanha, a meio de uma tour e de muitas noites passadas em hotéis. As saudades da família apertavam, no momento em que a escreveu. “Mas agora estou em casa”, partilha, com um sorriso. E temos a serena certeza que sim. Luísa, esta noite estiveste em casa, e nós contigo.
Alinhamento
1 – Learn How To Love
2 – On My Own
3 – Jardim Roma
4 – As The Night Comes Along
5 – Janie
6 – Je T’Adore
7 – And So it Goes (cover, Billy Joel)
8 – Rainbows
9 – Paspalhão
10 – Inês
11 – Stormy Weather
12 – Alone
13 – João
14 – Hello (cover, Adele)
15 – My Man
16 – Cupido
(1º Encore)
17 – I’ll Be Home With You Tonight
18 – Chico
(2º Encore)
19 – Para Ti
Texto de Tiago Mendes