Angel Olsen: a aniversariante era ela, quem recebeu a prenda fomos nós
Os balões pretos e laranjas assinalavam que o dia era de festa: celebrávamos a primeira data da digressão europeia de Angel Olsen; assim como o grande álbum que editou no final do ano passado; e, cereja do topo do bolo, o 33.º aniversário da artista, a quem o publicou cantou os parabéns — em português — logo à primeira oportunidade. “Sinto que estou a tocar para a minha família”, partilhou Angel a certa altura. E, de certa forma, estava.
A história de Angel Olsen cruzou-se com Portugal através da ZDB, a casa que agora a convidou para duas noites esgotadas no Capitólio (a próxima é já hoje, 23). A Zé dos Bois funcionou como uma espécie de incubadora da carreira de Olsen ao longo dos anos. “Eu não queria ser uma daquelas americanas que diz que adora Lisboa —”, brinca, acrescentando logo de seguida, “mas sou”.
Para a sua festa de anos trouxe banda completa — para além de Angel Olsen, que alterna entre a guitarra e o teclado, acompanham-na outros seis músicos. As mais importantes adições ao conjunto, relativamente à formação que a acompanhava antes, são a violinista e a violoncelista, essenciais para reproduzirem os temas de All Mirrors. Tocam os seus instrumentos com alma, enriquecendo de pormenores, dinâmicas e texturas as intrincadas composições do mais recente trabalho. Não são raras as ocasiões ao longo do concerto em que é a fluidez das cordas uma das principais responsáveis pela identidade do conjunto.
All Mirrors é um álbum de peso, que veio abrir novos trilhos na carreira de Olsen. Uma sonoridade mais expansiva, com crescendos simultaneamente épicos e delicados. Uma estética noir apaixonada que, não entrando em ruptura com a sua discografia anterior, vem adicionar-lhe um outro peso e grandiosidade. E o espectáculo ao vivo faz-lhe jus; se é que não o transporta para um novo nível.
A banda dedica-lhe todo o primeiro segmento do concerto. As sete primeiras músicas repescam alguns dos mais memoráveis temas desse disco. “New Love” abre o leque de possibilidades. “All Mirrors” faz brilhar pela primeira vez a belíssima dinâmica vocal artista — doce nos graves e portentosa nos agudos. Mas é em “Spring” que assistimos de maneira mais evidente ao rasgo intenso do arranjo, revelando uma faceta quase psicadélica que Olsen tem vindo a aflorar, sem nunca mergulhar por completo na insanidade musical.
“Estou-me a sentir louca esta noite”. Há laivos disso na música, e na forma como se apresenta diante do público. Graciosa, sempre com uma pitada de humor na ponta da língua, mas carinhosa com o público da cidade que ama tão honestamente. “Talvez um dia me mude para cá”, diz, apontando a margem sul do Tejo como uma possibilidade.
Mas para já parece mesmo é que habita nas brumas de uma floresta profunda. Permitam-nos esse devaneio, mas é-nos impossível ignorar o ambiente mágico de “Impasse”, na transição contínua para “Lark”. É um dos grandes momentos do concerto. A música abre-se em cantos e contracantos das cordas, todos os instrumentos a contribuírem para a sua desconstrução; e a voz de Olsen, arrepiante, no cume das frequências.
“Tonight” é um bonito coda para a celebração do mais recente trabalho. Mas é hora de revisitar o passado, e a banda traz uns quantos cartuchos na manga. “Acrobat” dá o mote, e “Sweet Dreams” segue-lhe o rasto. Depois Olsen ameaça que vai tocar uma canção nova, que inventou na véspera. A semana que passou em Lisboa tinha-a inspirado: “chorei quando a toquei pela primeira vez, ontem, no meu quarto de hotel”. A banda ria-se, brincava e ia acompanhando os gracejos de Angel com acompanhamentos improvisados. Foi um momento genuinamente divertido, que serviu de janela para o bom ambiente do grupo, que ainda agora está a começar esta digressão. A violoncelista parecia especialmente animada, rasgo de alegria contagiante.
E afinal não havia música nova! Era apenas um divertido prelúdio de “Shut Up Kiss Me”, o single mais conhecido de Olsen, recheado de melodias alegres e contagiantes. Tema optimista que marca o momento mais saltitante do concerto. Não que a plateia estivesse para aí virada — calhou-lhe na rifa um óptimo público, absolutamente atento, devoto e caloroso (é raro sentir este nível de respeito por parte de uma audiência); mas que pouco se mexeu. Talvez não fosse caso para isso.
A recta final do concerto foi mais contemplativa. Depois de “Endgame” — tecida a órgão de igreja, emocionalmente cativante, e pintada a melodias não óbvias — Angel ficou sozinha em palco para repescar um tema do seu primeiro EP (2010), Strange Cacti. “Some Things Cosmic” deixou-a exposta como no princípio da sua carreira, só voz e guitarra, e um instinto musical que vem de dentro e se consubstancia no essencial. No encore, “Chances” deu o remate final do concerto, última visita ao universo de All Mirrors, com as cordas a assumirem uma belíssima dinâmica. Foi um digno regresso de Olsen a Portugal – teve sabor a novidade, e a promessa de futuro. O que é assinalável, para um carreira que conta já com uma década!
Uma última nota mais do que merecida para os Hand Habits, responsável pela primeira parte. A música de Meg Duffy, aos comandos da guitarra, impôs-se com atitude. Num estilo de composição a piscar o olho a bandas como os Big Thief, com linhas de baixo inspiradoras, e um virtuosismo de guitarra que não nos deixou indiferentes, a banda (que se estreou em formato completo em Portugal) deixou uma boa impressão entre os presentes. Teremos muito gosto em voltar a ouvir estas construções indie num palco perto de nós.