Quarentena. Guerra Infinita
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Pronto, então parece que é desta, certo? Agora que eu finalmente tinha conseguido convencer o meu avô a deixar de perguntar “quanto é que isso é em escudos?” é que vão acabar com o União Europeia, não é? Tenho mesmo o timing de um gajo com tourette num funeral…
Mas é verdade, as coisas não estão famosas para os lados da UE. E eu digo “para os lados da UE” como se fosse uma coisa que está lá longe ou como se não fizéssemos parte da mesma porque cada vez mais assim o parece. Aliás, estou a ser injusto. Não é que pareça que não fazemos parte da UE, fazemos, mas na mesma medida em que a “senhora lá de casa” parece que faz parte da família da patroa, ou seja, até nos deixam aparecer em fotos e até nos emprestam uma roupa gira para a fotografia ficar mais composta, mas no fim somos nós que lavamos os copos e apanhamos os confettis que ficaram no chão depois da festa e antes de apanharmos 3 autocarros para a nossa casa na periferia.
E se já tinha ficado meio implícito que assim era na crise 2010-14, agora ficou provado. Estas declarações do ministro das finanças da Holanda, às quais podemos juntar as que o antigo ministro das finanças da mesma Holanda fez há um par de anos, e que parecem ser apoiadas pelos países do centro e norte da Europa, só provam que a palavra “União” é capaz de estar a mais naquilo da UE. Há, desde há vários anos, duas Uniões Europeias dentro a UE, a dos povos do Norte e Centro e a dos povos do Sul e olhando para o estado dos países que compõe estas duas “uniões”, é fácil ver quem tem estado a lucrar mais com a coisa. E se durante uma crise que é de todos, que não se originou por corrupção, má gestão ou incompetência de um governo, mas sim por causa de um vírus que afecta, inclusivamente, os tais países da UE do Norte e Centro, vamos ver negada ajuda financeira ou ouvir insinuações desrespeitosas sobre estados membros da mesma apenas por estarem mais fragilizados nesta altura, então a existência desta comunidade não faz sentido. Ouvi-las, então, vindas sempre do mesmo país faz-me perceber o porquê de a Holanda ter mudado o nome para Países-Baixos. Não tem a ver com altitude nem com marketing, tem a ver com o nível de quem os governa. E acreditem que me magoa, isto. É que até agora pensei que o pior do COVID-19 eram as mortes, o confinamento ou medo, mas afinal o pior do COVID-19 é mesmo meter-me a insultar o país onde a erva é legal. Não se faz, Hoekstra.
Atenção, eu sei que isto pode parecer alarmista e que estou a exagerar e que vai ficar tudo bem, mas a verdade é que desta vez acredito mesmo que a coisa não vai recuperar. Mesmo que a UE do Norte e Centro ceda à pressão do ultimato italiano, que lhes deu 15 dias para serem decentes, coisa que parece que não vai acontecer pois ainda hoje o primeiro ministro holandês disse que não vê nada que o faça mudar de ideias, mas mesmo que isso aconteça e tudo se resolva, podem ter a certeza de que mal a pandemia termine muitos vão ser os países da UE a seguirem o exemplo do UK e a fazerem o referendo sobre a saída da mesma. E, desta vez, com razão.
Mas no meio disto, nem tudo são más notícias uma vez que parece que neste momento complicado vimos nascer um líder. Pois é, António Costa esteve impecável no meio desta situação ao dar um valente murro na mesma e ao não baixar a cabeça aos insultos vindos dos estados membros mais ricos, como era habitual em muitos dos seus antecessores, especialmente no último. Chamou os bois pelos nomes, mostrou pulso firme e uma coluna digna de quem dorme num daqueles colchões ortopédicos que se vê nas televendas. Aliás, se há coisa que vou guardar muitos anos na memória é a conferência de imprensa que o Costa fez hoje e que aconselho toda a gente ver. Principalmente este bocado:
Jornalista – “Acha que se excedeu ontem nas declarações que fez sobre o ministro das finanças holandês?
Costa – “Está a gozar comigo? (…)
Jornalista – “Acha que a UE pode acabar?”
Costa – “A UE ou faz o que deve ou certamente acabará”
Pimba! Fortíssimo, António. E tu põe-te esperta, UE… ou ainda acabas a levar as que o velho da arruada não levou.
E pronto, por hoje é tudo. Fiquem com as sugestões para o dia.
Comédia:
Rui Sinel de Cordes – Cordes out!
Música:
The Streets – Original Pirate Material
Cinema:
Don Bluth – The Secret Of NIMH
Literatura:
Robert L. Stevenson – A Ilha do Tesouro