Uma base de copos de Praga
Neste período de quarentena, em que nos vemos obrigados a parar fisicamente, não há limites para onde a nossa mente nos pode levar. Olhando à volta do meu quarto, vejo objectos trazidos de viagens que fiz no passado e que, instantaneamente, espoletam memórias das mesmas. É uma forma de escapismo momentâneo que traz algum conforto em tempos incertos. Deixem-me levar-vos numa viagem à volta do meu quarto.
O sexto objecto é uma base de copos que trouxe de Praga. A capital checa é uma das minhas cidades favoritas, pelas experiências óptimas que tive lá. Seja pela comida, pelas noites divertidas em bares boémios ou pelas arquitectura e vistas espectaculares, tenho sido recebido sempre com sol e bom tempo.
A primeira vez que visitei Praga foi com o meu pai, numa altura aninhada entre ter terminado a universidade e ter começado a vida profissional. O tempo livre fez com que me dedicasse a planear um roteiro bem definido de coisas a visitar e provar. Para visitar, já esperava que a cidade apresentasse muitas ofertas, tendo em conta a sua riquíssima história. Comprovei isso ao passear-me pelas ruas dos diferentes bairros, em que a arquitectura imperialista é maravilhosa. O que não esperava era realmente encontrar uma cidade com comida também maravilhosa.
Presença permanente em artigos de viagens ou blogs sobre gastronomia era o fabuloso talho Naše maso, que também serve comida feita no pequeno espaço. A qualidade da carne é inacreditável. Nos poucos anos em que me dediquei mais a viagens, regressei uma segunda vez a Praga em trabalho, pelo que no total já comi quatro refeições no Naše maso. Eu limito sempre o meu consumo de carne quando estou em casa, mas não resisto aos cortes dos habilidosos talhantes checos, cozinhados até ao ponto ideal, nem ao bife tártaro que se derrete na boca.
Escondido no distrito residencial de Praga 4, o pato assado recheado de panqueca de batata e cebola avinagrada do U Bansethů também foi um dos grandes destaques — ainda para mais pelo preço que foi. O trdelník, doce adoptado pelos checos em tempos recentes como seu, também é uma delícia — mas tem de ser comido acabadinho de fazer!
Ora, de onde vem a base para copos que deu origem a este texto? Surripiei-a de outra das grandes sugestões da cidade: a mega-taberna Lokál. Da primeira vez que entrei no espaço, o largo corredor ladeado de mesas parecia interminável, preenchido por locais e turistas amiúde, que elevavam os decibéis até um nível impressionante e até ao tecto que formava arcadas . Pode ser assoberbante à primeira vista, assim como a tarefa de conseguir uma mesa, mas creio que não há sítio com a cerveja mais fresca e satisfatória em Praga. No geral, é certo que a cerveja checa é deliciosa, mas nem sempre é servida da maneira a que nós estamos habituados: geladinha (talvez para omitir o facto de que a nossa não é assim tão saborosa). No Lokál, literalmente não controlava o “ahhh” de satisfação que saía sempre que tomava um trago.
A cerveja acompanhava a comida de conforto bem acolhedora: um trio de salsichas com rábano, uma costeleta de cachaço com batata esmagada e o típico goulash húngaro — aqui servido numa versão checa. Toda esta conjuntura — da cerveja, da comida, do ambiente caloroso e do espaço— transportou-me para as cervejarias típicas portuguesas. Senti-me em casa. Fiz um brinde ao Lokál e olhei para o anel que o copo deixou na base. Uma frase escrita em checo num tipo de letra adorável, da autoria do desenhador Martin Kubát, chamou-me a atenção. Uma rápida ida ao tradutor do Google diz-me que significa algo como “Atenção! Esta base absorve bebida secretamente. Provavelmente cerveja.” Não resisti a levar uma comigo, para, sempre que olhasse para ela, ser transportado para o calor humano que senti naquela taberna. Nesta altura, é bastante bem-vindo.
Anseio pela próxima visita a uma das minhas cidades predilectas. Apesar do nome algo irónico quando aplicado aos tempos actuais, Praga é sublime.