“Contra a Amazon”, de Jorge Carrión: a favor dos livros e dos livreiros

por José Moreira,    7 Janeiro, 2024
“Contra a Amazon”, de Jorge Carrión: a favor dos livros e dos livreiros
Capa do livro / DR
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No segundo livro em Português do escritor espanhol Jorge Carrión (professor de literatura contemporânea e escrita criativa), e depois do excelente “Livrarias” em 2017, dá-se continuidade aos seus temas preferidos: livros e viagens. Estes são explorados através de diversos ensaios, entrevistas e conversas.

O autor retira especial satisfação em ter um livro chamado “Contra a Amazon” disponível para venda nessa mesma plataforma. Portanto, haverá algo mais irónico do que alguém comprar o livro aí e, depois de o ler, deixar de lá comprar livros? Existe aqui uma ambição quase poética. Ao nomear este livro optou por incorporar nele o título do primeiro ensaio, mas a segunda parte “e outros ensaios sobre a humanidade dos livros” desvenda o propósito da obra: este livro não é simplesmente “contra a Amazon”, é muito mais a favor dos livros e dos livreiros. Carrión não se apresenta como um “revolucionário”, nem é um “reacionário anti tecnologia”, acredita sim na preservação e renovação das lógicas que sustentam as livrarias e livreiros nos seus papéis políticos, sociais e culturais. A sua defesa não é cega, nem parte de uma postura que poderia ser vista por alguns como sendo conservadora, tanto que, no seu livro anterior, existe lugar para a autocrítica deste mercado que visa defender. É uma visão mais completa, e complexa, do que uma simples visão anticapitalista do universo livreiro.

“Na memória dos livreiros conserva-se um património que quase nunca pode ser descoberto nas paredes das suas livrarias ou nas suas páginas web.”

“Contra a Amazon”, de Jorge Carrión

Fica claro que a Amazon não é uma livraria, nem oferece nada que seja essencialmente comparável a essa experiência, é uma mera plataforma transacional, um gigante hipermercado digital que se lançou, originalmente, como uma “Livraria online” que hoje vende desde sabonetes a comida congelada.

Sob a forma do pequeno manifesto/ensaio “Contra a Amazon”, Carrión elenca sete razões para a sua rejeição deste website enquanto “espaço livreiro”:
1 – Porque não quero ser cúmplice de uma expropriação simbólica;
2 – Porque todos somos ciborgues, mas não robôs;
3 – Porque rejeito a hipocrisia;
4 – Porque não quero ser cúmplice do neoimpério;
5 – Porque não quero que me espiem enquanto leio;
6 – Porque defendo a lentidão acelerada, a relativa proximidade;
7 – Porque não sou ingénuo.

Destaco também uma entrevista muito interessante com o escritor, tradutor e editor Alberto Manguel, um dos mais conceituados especialistas em livros e literatura. Esta aborda a sua biblioteca pessoal (curiosamente, a fonte da sua polémica junto do público português), do cargo que desempenhou enquanto diretor da Biblioteca Nacional da Argentina. Outro ensaio delicioso é “Os cães de Capri”, que desvenda algumas curiosidades relacionadas com o histórico literário da mítica ilha mediterrânica (imortalizado por Jean-luc Godard em “O desprezo”, de 1963), partindo da história do escritor Curzio Malaparte e passando pela de Axel Munthe, entre outras figuras.

Noutro pequeno ensaio, intitulado “Em defesa das livrarias”, Carrión afirma solenemente que “os velhos livreiros nunca morrem. São incontáveis os que recebem e conservam o testemunho. Há que reinvindicar essa figura que permaneceu na sombra, enquanto a do autor, do editor e do agente se tornavam totalmente visíveis – mesmo estelares”. Esta afirmação revela a posição ingrata que o livreiro, por vezes, muitas vezes até, assumiu na história da literatura. O mito do livreiro habita principalmente no imaginário de quem gosta de livros e livrarias, não necessariamente no de quem gosta de literatura. Portanto, a experiência física da livraria, o seu usufruto enquanto espaço cultural e social, de encontro de pessoas e ideias, é o que o autor pretende defender, acima de tudo. Estes espaços não se limitam a proporcionar a matéria física sob forma dos livros que forram as nossas estantes, proporcionam também a matéria que forra o imaginário de quem, tal como Carrión, vive estes universos de forma intensamente pessoal.

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