Um chapéu de pescador de Zagreb
Neste período de quarentena, em que nos vemos obrigados a parar fisicamente, não há limites para onde a nossa mente nos pode levar. Olhando à volta do meu quarto, vejo objectos trazidos de viagens que fiz no passado e que, instantaneamente, espoletam memórias das mesmas. É uma forma de escapismo momentâneo que traz algum conforto em tempos incertos. Deixem-me levar-vos numa viagem à volta do meu quarto.
O décimo e último objecto é um chapéu de pescador que trouxe de Zagreb, que me recorda de uma viagem feita pelas Balcãs e de como, assim que puder, voltarei à estrada para trazer mais objectos que me permitam continuar a viajar à volta do meu quarto.
Antes de começar uma viagem de carro pelas Balcãs com uma amiga, tive um dia inteiro sozinho em Zagreb. Atordoado pelo jet lag e por uma noite mal dormida num voo transoceânico, arrastei-me pela capital croata, ao mesmo tempo embalado e incentivado pelo sol quentinho de um início tímido de Outono. A minha tarefa foi facilitada pelo facto de a cidade ser pequena, mas bem seccionada, de maneira que parece ter bastantes zonas diferentes, sem que se demore muito tempo entre elas. Do sítio onde tomei o pequeno-almoço ao mercado onde comprei o chapéu que motivou este texto, dei 20 passos.
Se não conhecem a bandeira da Croácia, refresco-vos a memória: às comuns riscas horizontais em vermelho, branco e azul, sobrepõe-se um brasão com um axadrezado vermelho e branco. Isso faz com que os souvenirs do país, nomeadamente cachecóis, chapéus e outros equipamentos desportivos, sejam gloriosamente foleiros e exagerados. São tão foleiros que chegam a ser giros e pedem simplesmente para ser levados. Não conseguia imaginar melhor acessório para a viagem que ia encetar pelo país que um chapéu de pescador com as cores da bandeira, o idiossincrático axadrezado no topo e “Hrvastska” — Croácia em croata — escrito em letras garrafais na aba. Por isso, comprei-o, e garanto que não foi um mau julgamento devido ao sono; contudo, pensei que se calhar teria sido prematuro apoiar um país através de uma compra tão determinante sem antes o conhecer.
Tinha as expectativas baixas para Zagreb, pelo que a cidade acabou por surpreender. As vistas da cidade alta, ou Gradec, eram melhoradas pela luz suave da manhã. Nesse distrito medieval, encontrei dois museus que me cativaram particularmente: o Museu de Arte Naïf, que me expôs a um estilo de arte vibrante do qual nunca tinha ouvido falar, chegando a trazer uma série de postais, e o Museum of Broken Relationships. Este último apresenta uma série de objectos, provindos de todo o mundo, como símbolos de relações que terminaram, por diversos motivos. Tomei uma hora e meia para analisar cada um dos objectos e ler cada uma das suas histórias — umas hilariantes, outras devastadoras. Foi um dos meus museus favoritos de sempre, por converter o mundano em algo tão bonito. Até trouxe o livro oficial do museu, para poder revisitá-lo a partir da minha casa. Numa manhã, já tinha arranjado três souvenirs para me recordar do país. Nada mal, Croácia! A compra do chapéu já parecia justificada.
Reunido com a minha amiga no dia seguinte, fizemo-nos à estrada ao som de pop croata — eu com o chapéu na cabeça, arrependido de não ter trazido um para a minha amiga também. Desde comer lulas e mexilhões num cais em Sveti Juraj, a ver as imperdíveis cascatas do Parque Nacional de Krka ou explorar as cidadelas medievais de Trogir e Šibenik, a viagem foi verdadeiramente descontraída. Até pagar uma pequena multa de estacionamento em Opatija nos pareceu como parte indispensável de uma viagem para a história, com águas cristalinas, montanhas dramáticas e vilarejos de pedra como pano de fundo.
Tenho o chapéu guardado no roupeiro para não apanhar pó, mas quando o vejo não consigo deixar de esboçar um sorriso. Quando o coloco na cabeça, transporto-me para a sensação de paz de estar de férias num sítio completamente novo. Quando finalmente puder sair para lá destas quatro paredes sem restrições, farei a desforra destes meses de reclusão.