Amor, rock e maturidade: à mesa com Prana
Tendo sempre como mote a beleza e o encanto da amizade, o PARTY. SLEEP. REPEAT. tem trilhado um percurso consistente rumo à afirmação enquanto festival indoor de pequena dimensão. Entre menções honrosas e prémios recebidos, o festival assume-se desde a 1.ª edição como a homenagem “possível” a Luís Lima — falecido aos 23 anos, vítima de cancro — e amigo pessoal tanto dos muitos organizadores, como das bandas que vão compondo o cartaz, edição após edição, desde há cinco anos a esta parte.
Nós sentámo-nos à mesa com os Prana, banda emblemática da cidade onde se realiza o festival, para um jantar farto e pouco convencional. Nesta família, João Ferreira trata da guitarra, Diogo Leite acarinha a bateria e Miguel Lestre dá voz às músicas, além de comandar o baixo.
Entre risos, champagne, cumplicidade e revelações off the record, é este o registo fiel de uma banda que se tem como a soma dos seus membros.
Dizem-se “numa relação a três”; o amor, esse, ficou registado.
- Como surge a banda e em que contexto?
João Ferreira (JF) – Dá-lhe aí…
Miguel Lestre (ML) – Tem muito mais graça quando és tu a contar a história, és mais conciso.
JF – Por favor, meu…
ML – Nós conhecemo-nos numa viagem de finalistas, eu e o João. Durante a dita viagem, tocámos umas coisas e um gajo deu-se bem. Ao voltar cá (S. João da Madeira), começámos a tocar num jardim, de forma descomprometida. Entretanto, juntou-se um amigo nosso, chamado André Oliveira, que foi quem deu nome à banda, sugerindo “Prana”. Uma coisa puxa a outra: quando demos por ela estávamos a viajar d’um jardim para o estúdio do Diogo.
- Isso foi — sensivelmente — em… ?
ML – 2007. O EP saiu em 2008, portanto deve ter sido…
- Sobre o nome da banda…
ML – Prana… Prana porque o André era instrutor de Yoga, entre outras coisas..
JF – Entre tudo. Deves saber quem é o André…
- Vocês já contam com 1 EP e 2 discos (Trapo Trapézio e O Amor e Outros Azares); o que falta fazer?
ML – O que falta fazer? Opá, nem consigo pensar noutra coisa que não este filho que está em gestação e que está quase quase a sair cá para fora. Além disso, é mostrá-lo ao mundo, dar o maior número de concertos possíveis e esperar que o pessoal reaja bem à diferença.
- Gosto de pensar que as vossas letras — mesmo sem melodia — dariam poemas. Quem escreve e qual é o processo?
ML – Sou eu que escrevo e é muito simples na realidade. Sempre aconteceu a letra surgir — excepto uma frase ou outra — depois de a música estar feita. Ou pelo menos mais ou menos conduzida. Isto porquê? Eu não tenho facilidade em escrever do nada, sem uma uma música a acompanhar. Então a música surge, cria-se ali um ambiente qualquer e eu deixo-me levar um bocado por aquilo que a música pede… Do que vou falar nesta música? O que quero dizer? Embora sempre a música primeiro, a letra, a seguir.
- Numa música com 3 minutos, é esse o tempo que levamos da balada ao ritmo que convida a dar à anca; como surge no estúdio a criação da melodia e onde vão buscar essa ambivalência?
JF – São as gajas, meu! (Risos) Num dia está tudo bem, e no dia a seguir… Num dia estás todo calminho, a compor uma cena bué poética, bué quentinha, e no dia a seguir dão-te a volta à cabeça e apetece-te matar pessoas. Não, na realidade, acho que o processo até é mais… Nós somos muito do rock, apesar de termos alguma dificuldade em fazer rock do zero.
Falando por mim, eu tenho muita facilidade em fazer melodias e depois ver onde é que aquilo nos vai levar, e aí preciso bué deles p’ra cena ir para o rock, por exemplo.
O rock é aquilo de que nós gostamos, a origem é sempre uma cena mais calma..
- Definem-se muito como rock, mas derivam um pouco desse estilo…
ML – Basicamente, é o que nos apetece. Sempre foi assim. Nunca deixámos que o “não é muito o nosso género” afectasse o processo musical. Se estava a sair assim, se nasceu assim, é para aí que vai.
- Influências?
JF – Para o último álbum ou para este? Eu sinceramente não me lembro do que ouvia na altura… Geralmente, eles ouvem sempre merdas primeiro do que eu e depois rodam. Mas não me lembro mesmo daquilo que um gajo ouvia há uns anos atrás. É o Diogo que se vai lembrar de tudo…
Diogo Leite (DL) – Gogol Bordello, para o “Trapo Trapézio”; The Raconteurs para o “Amor e Outros Azares”..
JF – Ya! Raconteurs…
ML – Mas sempre ouvimos cenas bué diferentes: ele ouve as cenas dele, ele igual, e o resultado é sempre a mistura das influências que resulta em Prana.
- Apesar de parecerem uns miúdos, já lá vão mais de 10 anos como grupo e como banda. O que mudou desde o lançamento do videoclipe da “Etanol”, em 2011?
DL – Mudou a nossa forma de estar e a nossa atitude. Nós fazíamos tudo por impulso, continuamos a fazê-lo, mas são impulsos mais controlados. O budget… a falta dele continua, é a mesma. É uma coisa intrínseca a nós e não nos abandona assim tão facilmente. A nossa paciência — dos três — também está ligeiramente mais limitada. No entanto, e ao estar mais limitada, sabemos melhor até onde podemos ir. Não andamos tanto nos expoentes.
- São mais grupo agora…
DL – Considero que sim, apesar de ontem termos andado os três à chapada…
ML – Diria que mais que um grupo, somos namorados. Isto é uma relação a três! Passamos por tudo, como podes imaginar…
- Os vossos concertos tendem a transformar-se em autênticas selvas; qual é a sensação de tocar em SJM, mais concretamente no PSR?
ML – Sabes que não é a primeira vez que lá tocamos. Ironicamente, foi na 1.ª edição e não fomos enquanto Prana. Fomos enquanto três amigos do Luís e só fomos tocar 3/4 músicas que ele adorava: White Stripes, Billionaire e Joy Division.
Sei lá, é uma sensação… Sentimo-nos honrados por lá ir tocar: é o festival que é, tem a história que tem, tem a carga que tem. Pessoalmente, não consigo vê-lo como carga negativa, é mesmo boa! Passadas cinco edições, é um prazer lá voltar. E pela primeira vez as coisas alinham-se: temos de facto algo novo para mostrar. O álbum ainda nem saiu e vamos tocar uma série de músicas novas, vamos pô-los à prova.
Tocar em casa, para o nosso pessoal, é muito bom.
- O que podem antecipar sobre o álbum?
JF – É um bocadinho mais electrónico, mais digital…
DL – Dentro dos dois estilos que já temos vindo a fazer, o pop e o rock, está muito mais natural e muito mais óbvio, enquanto nos outros discos — como já disseste — adicionávamos aqui um bocadinho de sal, um bocadinho de pimenta, quase nem sabendo distinguir. Neste disco consegues fazer a distinção: isto está mais salgado, isto está mais doce. Não tivemos tanto receio de fazer, porque pela primeira vez fizemos um disco a três, e fizemo-lo como nós os três gostamos e como sentimos.
ML – Acho que nunca nenhum álbum saiu com tanto seal of approval dos três rapazes como este.
JF – É a primeira vez que acho que o que está ali (álbum) — realmente — é aquilo que nós somos, não aquilo que nós gostaríamos de ser. Os outros eram muito uma tentativa de chegar a algum sítio.
- Há outra autonomia…
JF – Não há outra! Agora há autonomia e é nossa.
ML – Claro que não éramos desprovidos de opinião e dizíamos sempre que gostávamos menos de alguma coisa. Mas a verdade é que deixámos que nos guiassem porque não sabíamos nada. Estávamos a aprender.
- Viram-se obrigados a acatar dicas/sugestões externas à banda…
JF – Eu dou-te um exemplo muito simples: se fores treinado pelo Mourinho, e ele te disser para jogares à esquerda, não vais jogar à direita, ponto final.
ML – Foi bastante interessante gravar a três, ter um processo de composição musical a três. No 1.º álbum tínhamos a Ana, no 2.º tivemos o Miguel Ferreira, e neste aqui decidimos: epá, vamos pelo que estas três cabeças, só por si, conseguem fazer. E acho que foi a melhor decisão de todas. Contribuiu muito para essa certeza do que queríamos.
- Houve aí um isolamento intencional durante o processo…
JF – Fomos para Arouca, duas vezes.
ML – Queres contar?
JF – Contar a cena… Fechámo-nos numa casa, durante cinco dias de cada vez: ocorreu duas vezes, separadas. Só os três, a tocar simplesmente. Metemos a gravar, siga! Tocar, tocar, tocar. Guardávamos. Trocávamos ideias, trabalhávamos naquilo, jantar, pum! Voltar a tocar tudo, deixar a cena sair completamente. E acho que foi um processo incrível, quando mais não seja, foi uma experiência do caraças.
ML – Nem sei como é que nunca tínhamos feito isso antes…
JF – É outra maturidade; não quer dizer que seja a melhor cena de sempre, mas é outra coisa.
DL – Na altura da criação do disco, estávamos os três bastante ocupados e aquilo que realmente tínhamos de fazer… não estávamos a ter tempo para isso.
- E acham que esse “retiro” foi essencial?
ML – Foi fulcral…
JF – Se não o tivéssemos tido, se calhar não havia álbum.
- Em jeito de remate, o que podemos esperar do concerto de Sábado?
DL – Rock! Quase do início ao fim.
ML – Vai ser muito aquilo que tu disseste há pouco: a selva. Vamos tentar levar isso desde o primeiro segundo do concerto até nos expulsarem do palco.
DL – O espectáculo mais completo que já demos, em som e imagem. Luz.
ML – Vamos tocar muitas músicas novas. É o nosso álbum mais longo e vamos tocar cerca de metade, aí umas 6/7 músicas. E é interessante a sensação de ires para um sítio tocar músicas que ninguém conhece, nem mesmo aqueles die hard fans. Ninguém conhece aquilo.
Queremos deixar que as pessoas mergulhem connosco, vamos ver se as músicas resultam da forma mais pura e intuitiva, que é: “está aqui, é isto”.
Fotografias de: Samuel Martins