Uma nova visão para o Grande Vale do Côa
Primavera no Grande Vale do Côa, ano de 2033. O abandono agrícola na região revelou-se uma oportunidade para restaurar a natureza. O rio que lhe dá nome corre vivo e livre da Malcata ao Douro. As zonas pantanosas foram restauradas graças ao castor, as ribeiras e riachos que secavam no Verão correm agora o ano inteiro. As zonas húmidas suportam vários anfíbios: rãs, sapos e tritões. As águas límpidas e a abundância de truta criaram condições ideais para o mexilhão do rio. O banco de sementes de plantas aquáticas foi reposto e várias barragens descomissionadas e açudes intervencionados permitem agora a passagem de peixes; um programa de controlo de espécies invasoras trouxe de volta bogas e barbos, espécies de peixe nativas.
Nas encostas e planaltos adjacentes, o corço e o javali já não são os únicos herbívoros selvagens. A cabra montesa foi reintroduzida nas zonas rochosas, o veado regressou e hoje manadas de cavalos selvagens migram ao ritmo das estações. O mosaico de habitats criado por estes herbívoros e uma gestão sustentável da caça favoreceram o aumento das populações de coelho e perdiz. Os incêndios rurais são menos frequentes e severos graças à diminuição da biomassa e ao aumento das zonas húmidas. Nos céus do Côa voam várias aves de rapina como a águia-de-Bonelli, que nidifica em escarpas e árvores de grande porte. A águia-real e a águia-imperial são também presenças assíduas devido à abundância de presas. As aves noturnas dão som à noite escura, desde o pequeno mocho galego ao majestoso bufo real.
O lobo conta com várias alcateias e o lince ibérico regressou finalmente à Malcata. Juntos desempenham um papel importante, impedindo o crescimento excessivo das populações de herbívoros (impedindo também a pastagem excessiva), e controlam as populações de meso-predadores como raposas e saca-rabos. A abundância de presas silvestres mortas ajuda a suportar uma população crescente e diversa de aves necrófagas. Grifos, britangos, uma colónia de abutre-preto e, apesar de ainda não nidificar na região, os avistamentos de quebra-ossos são cada vez mais comuns. Várias medidas de coexistência entre a vida selvagem e o homem melhoram a relação. Cães de gado são usados por pastores e criadores de gado para prevenir ataques a animais domésticos, a poluição luminosa está finalmente controlada e há passagens para a vida selvagem ao longo das autoestradas e das linhas de comboio.
Existe agora um ecossistema dinâmico e diverso. Todas as peças estão presentes e ajudam a sustentar a vida, desde os pequenos insetos polinizadores aos grandes cavalos, os jardineiros dos prados e das clareiras. Os lobos, os abutres, os castores (famosos engenheiros fluviais), todos cumprem o seu papel. O Rio Côa, que dá nome e vida a este canto antigo da Península Ibérica, tem uma nova vida.
O Grande Vale do Côa é hoje um destino turístico reconhecido em Portugal e no mundo, com um património histórico e cultural único e intrinsecamente ligado à vida selvagem. As aldeias históricas são agora uma porta de entrada para o mundo humano, mas também para o novo mundo selvagem. Observação de aves, abrigos fotográficos e safaris são algumas das novas atividades ligadas ao ecoturismo e potenciam o desenvolvimento económico da região. Esta nova economia baseada na natureza beneficia diretamente as comunidades locais, que valorizam e protegem este Grande Vale do Côa, mais selvagem e mais sustentável.
Crónica escrita por Daniel Veríssimo (Rewilding Portugal)
O Daniel é economista apaixonado pela natureza. Leitor de artigos e escritor nas horas vagas. Membro da rede internacional Rethinking Economics. Técnico de empreedendorismo na Rewilding Portugal.