Crise Climática. Salvar o planeta ou salvar-nos a nós próprios?

por Cronista convidado,    11 Outubro, 2021
Crise Climática. Salvar o planeta ou salvar-nos a nós próprios?
Ilustração de Mariana Dimas / CCA (@marianaalwaysknew)
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Os avisos ecoam nos nossos ouvidos. O mais recente relatório do IPCC confirma alguns dos piores cenários acerca das alterações climáticas. Por todo mundo, milhares de jovens marcham nas ruas por um futuro que se lhes escapa por entre os dedos. As cheias destroem, as secas causam fomes e a Cruz Vermelha estima que já há mais refugiados a tentar escapar de crises ambientais do que de conflitos violentos. Contudo, tanto cidadãos como líderes políticos, em todos os níveis de organização da sociedade — do local ao internacional — encontram-se cobertos por uma névoa de inação. As sirenes exclamam ‘Fogo!’, mas os bombeiros estão trancados no quartel. Porque é que é tão difícil ouvir os alarmes? Ou, dito de outra forma, porque é que é tão fácil ignorá-los? Que problemas existem na comunicação acerca das alterações climáticas e como podemos resolvê-los?

Nesta crónica, procuro explorar os problemas presentes nos movimentos de protesto e ativismo, não com a intenção de os menosprezar, mas com a esperança de que se tornem, ao longo do tempo, cada vez mais eficientes nos seus objetivos.

A mensagem dos protestantes

No dia 28 de agosto de 1963 dá-se nos EUA um dos mais famosos protestos de sempre, a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, no final da qual Martin Luther King Jr. profere o seu discurso com a icónica expressão “I Have a Dream”. Nas fotos que existem desse dia observam-se os protestantes a empunhar cartazes profissionalmente impressos, uniformes entre si, que contêm um conjunto restrito de exigências concretas, como “WE DEMAND VOTING RIGHTS!” e “WE MARCH FOR INTEGRATED SCHOOLS NOW!”. Não se enxerga um único cartaz rebelde, parece-nos que todo o protesto apresenta uma mensagem unificada e reconhecível.

Avancemos mais de 50 anos e mudemos de continente: dia 8 de setembro de 2018, Lisboa, Porto e Faro juntam-se a centenas de outras cidades em todo o mundo para a Marcha Mundial do Clima. É um movimento liderado por crianças e jovens, desesperados pela maneira como os adultos à sua volta jogam com o seu futuro. Olhando para os cartazes que carregam, o contraste com os do protesto de 1963 não podia ser mais evidente. São feitos à mão, escritos em pedaços de cartão com marcadores coloridos, cada um desenhado pelo manifestante que o exibe, havendo uma diversidade enorme de mensagens, ausente em 1963. No entanto, uma caraterística que os une é que a maioria faz referência a uma defesa abstrata da Terra, sendo que slogans como “NÃO HÁ PLANETA B” e “O PLANETA ESTÁ A ARDER” são dos mais comuns. E é aqui que esbarramos com o que são, na minha opinião, dois entraves causados pela linguagem utilizada para falar das alterações climáticas, especialmente no contexto do ativismo, mas que transbordam para outros meios.

Em primeiro lugar, a narrativa de que temos de proteger o planeta é problemática e contraprodutiva, pois transporta as alterações climáticas para uma dimensão remota – de icebergs a desfazer-se e ursos polares presos em blocos de gelo — longe da nossa realidade. Evoca noções de uma luta altruísta por um “ambiente” longe de nós, que não nos toca nem afeta. Mas a verdade é precisamente o contrário, esta luta é a mais primitiva e egoísta que existe: a luta pela nossa própria sobrevivência. Independentemente de quantos graus a superfície do planeta aumentar, este continuará imperturbado a sua viagem em torno do sol, tal como o fez nos milhões de anos antes do aparecimento da espécie humana. Mas o uso de expressões como “Salvar o Planeta” permite-nos ignorar facilmente que o que está verdadeiramente em risco não é a existência do planeta, mas sim a nossa existência no planeta. O que está em risco são vidas humanas e a civilização tal como a conhecemos.

Em segundo lugar, o uso de termos abstratos e vagos oferece aos líderes políticos um escape, uma maneira de apaziguar a opinião pública com medidas simbólicas (como a declaração de uma emergência climática), mas que têm pouco ou nenhum efeito prático. Os manifestantes da Marcha sobre Washington não marcharam apenas por uma noção abstrata de igualdade, mas por exigências específicas que concretizassem essa igualdade. Assim, não deixavam margem para os líderes políticos os silenciarem com medidas meramente performativas, que não trariam mudanças reais. As exigências eram aquelas, específicas e concretas. Ou eram cumpridas, ou não eram. Não haveria dúvidas. A Marcha sobre Washington é, para muitos, representativa do sucesso e impacto positivo que os grandes protestos podem ter, pois um ano após o protesto foi passado o Civil Rights Act, um dos mais importantes passos para terminar a segregação racial nos EUA.

O racismo estrutural e as alterações climáticas são problemas diferentes, mas unem-se numa caraterística: não se resolvem com uma única solução, requerem um conjunto variado de medidas nos mais diversos setores da sociedade. Assim, quanto mais depressa começarmos a nomear as medidas necessárias, mais depressa as podemos começar a implementar. Um pedido abstrato é fácil de ignorar ou manipular, uma exigência concreta já não tanto.

Quero esclarecer, mais uma vez, que não digo isto para descredibilizar os movimentos climáticos juvenis, como o Fridays for Future. Pelo contrário, olhar para todas as crianças e jovens que corajosamente se levantam perante uma sociedade que constantemente desvaloriza as suas vozes, ao mesmo tempo que ataca os seus futuros, enche-me de orgulho e esperança. Nem tenho dúvidas de que as pessoas envolvidas nestes movimentos saberão enunciar várias medidas que gostariam de ver os seus governos implementar. No entanto, não adianta existir essa discussão nos movimentos climáticos se esta não for capaz de penetrar no discurso da população em geral. Esse é o próximo passo que, na minha opinião, os movimentos climáticos necessitam de tomar. 

Por outro lado, esta é uma boa maneira de lidar com os céticos e negacionistas, parar de discutir se as alterações climáticas estão aqui ou não e simplesmente deslocar a conversa para as medidas que devemos tomar como sociedade. Se deixarmos o diálogo ser controlado por negacionistas iremos ficar presos num debate eterno sobre a existência das alterações climáticas. Portanto, devemos tomar as rédeas para mover a discussão para o campo que nos interessa: o das ações concretas.

Crónica de Maria do Carmo Candeias.
A Maria é licenciada em Biologia e estudante de Ciência Política e Relações Internacionais.

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