Crise Climática. Precisamos de tradutores científicos
A crise climática é um tema que surge na comunicação social com uma frequência bastante baixa, tendo em conta a sua escala e importância. Sendo um problema continuado e urgente seria de esperar que a sua presença nas televisões e jornais fosse permanente, como o é, por exemplo, a pandemia, outro problema urgente e continuado. No entanto, periodicamente, surge algum acontecimento, como a recente publicação do relatório do IPCC, que traz este assunto para a ribalta durante uns dias. Quando isto acontece é comum irem-se buscar os cientistas aos seus laboratórios pouco financiados e gabinetes apertados e mal ventilados nas faculdades para os colocar diante das luzes brilhantes dos estúdios de televisão. E nestas alturas torna-se por demais evidente o abismo entre entrevistador e entrevistado, pois apesar de usarem as mesmas palavras, cientistas e não-cientistas falam duas línguas completamente diferentes. E se este já é um problema na maioria dos programas, torna-se ainda mais gritante quando se colocam negacionistas a debater ao lado dos cientistas, visto que os negacionistas se aproveitam desta desconexão para lançar dúvidas.
Acima de tudo, é essencial compreender-se que os cientistas trabalham com dados, estatísticas e probabilidades, não com certezas absolutas. Assim, um cientista nunca dirá que tem cem por cento certeza de nada, dirá sim que algo é altamente provável. Da mesma maneira, um cientista nunca dirá que algo é inquestionável, pois a própria natureza da ciência é que não existem dogmas, tudo é questionável. E isto é uma atitude aplicável a tudo, desde a Teoria da Evolução até à hipótese de o sol nascer amanhã. Um cientista pode dizer com elevado nível de confiança que o sol vai nascer amanhã, mas esse nível elevado nunca será cem por cento, apesar de na prática considerarmos essa hipótese como garantida. Contudo, no que diz respeito a questões como as alterações climáticas, isso é o suficiente para qualquer negacionista competente (perdoem-me a contradição) gerar indecisão na mente de alguém que não está familiarizado com este tipo de linguagem científica.
Outro aspeto importante é que o clima é um sistema altamente complexo, com inúmeras variáveis que o afetam de diferentes maneiras. Os cientistas que estudam o clima fazem-no através de modelos que procuram aproximar-se o máximo possível à complexidade do clima real. Através destes modelos, os cientistas podem, por exemplo, afirmar com elevado nível de certeza que as alterações climáticas estão a aumentar a frequência e intensidade dos desastres naturais, de tal forma que desastres que aconteceriam uma vez numa década estejam a acontecer anualmente. Porém, sendo os desastres naturais provenientes de um conjunto intrincado de causas, e não de uma causa isolada, é difícil para os cientistas destacar um único desastre específico como fruto exclusivo do aumento da temperatura. De novo, isto acontece porque os cientistas trabalham com dados e probabilidades, de forma a identificar padrões. Se eu atirar uma moeda ao ar 100 vezes, eu sei que irá cair cerca de 50 vezes na face de coroa e outras 50 na face de cara. Mas, não sei dizer especificamente quais dessas vezes é que vai cair coroa e quais vai cair cara. Esta é uma noção básica de probabilidade, contudo torna-se um entrave grave de comunicação (e uma oferta para os negacionistas) no momento em que os cientistas, quando questionados, hesitam em culpar as alterações climáticas por um determinado desastre natural, sem haver uma explicação do contexto da sua hesitação.
Então qual a solução para esta incompreensão? Para além do óbvio, claro, que os meios de comunicação devem parar de dar palco a negacionistas de todos os tipos, incluindo climáticos. Bem, a solução é arranjar tradutores, isto é, os cientistas devem ser entrevistados por pessoas especializadas em comunicação de ciência. É essencial existirem nos meios de comunicação pessoas familiarizadas com os dois campos, que possam fazer a ponte entre cientistas e não-cientistas.
Crónica de Maria do Carmo Candeias.
A Maria é licenciada em Biologia e estudante de Ciência Política e Relações Internacionais.