Joana Carneiro Reis: ‘Interessava-me que o filme nos transmitisse sensações em vez de nos contar uma história’
Depois de estrear a curta-metragem Última Noite na edição de 2015 do festival IndieLisboa, a jovem realizadora Joana Carneiro Reis voltou a participar no festival na categoria de Novíssimos na edição deste ano. O filme que apresentou, Lenta Combustão, é uma história sobre a pressão de um futuro iminente na vida de Lucas, e sobre o conflito do protagonista com quem lhe é mais próximo. Mostra uma realidade incerta e assombrada pelo medo, ciúme e pela sensação de impotência. Lenta Combustão vai ser exibido no festival Curtas Vila do Conde, que decorre em Vila do Conde entre os dias 8 e 16 de Julho, e que comemora a sua 25ª Edição este ano.
Como surgiu a ideia do Lenta Combustão, e qual a mensagem que queres transmitir com este filme?
Que estranho voltar tão atrás no tempo. Bem, lembro-me que houve um Verão em que regressei ao Porto para passar algum tempo com a minha família porque senti uma necessidade de me afastar de Lisboa. Acho que estava com saudades de casa… De estar com os meus amigos. Lembro-me que, na altura, senti muita vontade de filmar o Porto. Precisei de revisitar muitos sítios, andar muito a pé, estar com pessoas diferentes… Acho que este filme nasceu da procura de uma ocupação que eu senti que necessitava. Acho que nunca tive uma ideia muito clara sobre o que é que estava a tentar dizer com o filme até às filmagens. Eu tinha vontade de falar de muitas coisas, sempre ligadas a este tema do medo de crescer, de dar o passo para uma vida adulta, que depois se misturavam com uma ideia de quebra de confiança no outro. É muito difícil pensar e fazer um filme sozinho. Tu não fazes um filme para ti, para teres em tua casa, no teu quarto. Quando assim é, não chegou a ser um filme, é arquivo. E se te dão a oportunidade de filmar e acreditam em ti, precisas de criar um ambiente comum, com as pessoas que escolheste para esta aventura. Precisas de cativá-las, de fazê-las ver que acreditas muito no que queres filmar. E isso não significa que não te possas sentir perdido e pedir ajuda. Na minha opinião, um realizador tem que ser uma pessoa muito humilde, em todas as fases do processo. Porque quando estás tão dentro da ideia, quase que vives e moldas a tua vida a esse processo de criação e isso pode desgastar-te e desgastar o filme.
A que meios técnicos e estéticos recorreste para transmitires essa mensagem? Como chegaste a esta estrutura do filme?
A mensagem, ou as mensagens, que o filme pode ter devem-se talvez à minha fragilidade em assumi-las. O que, acho eu, foi vantajoso para a personagem do Lucas. Interessava-me que o filme nos transmitisse sensações em vez de nos contar uma história. Esta, em particular, já tinha começado há muito tempo, e eu quis tentar filmar o que é estarmos no fim de alguma coisa, de uma fase. O que é sentir que estamos num momento das nossas vidas em que temos de avançar, fazer escolhas, e tudo parece escapar e tornar-se num remoinho de incompatibilidades. O Porto, para mim, trouxe essa estética ao filme. Esse vazio de uma cidade escura que consegue expressar qualquer coisa, como o Lucas sentir-se num limbo entre a instabilidade de uma relação e o sentir-se ultrapassado. Sentir que, de certa forma, estava a perder a sua singularidade. Na realidade, quanto à pergunta, a mensagem é transmitida pelas personagens e pelo espaço. Foi através de todos os ensaios que as coisas foram surgindo, sendo reveladas. E esse trabalho com o Lucas, a Nídia e o Rodrigo foi muito importante por causa disso. Eles ajudaram-me a descrevê-los melhor e a perceber como é que se figuravam todas as ideias que eu tinha na cabeça.
Que elemento destacarias no filme?
Não sinto que consiga separar a importância de cada um. Num filme, para mim, a imagem precisa do som e o som precisa da imagem. Dão-nos sensações diferentes se vistas em separado. Por exemplo, um Diretor de Fotografia, precisa de ter a liberdade para poder pensar de que forma é que o trabalho de luz pode contribuir para o que se está a passar em determinada cena. Em relação ao som julgo que é um pouco diferente. O som pode ir sendo construído na pós-produção, e talvez só na montagem se consiga perceber que elementos sonoros é que são precisos com algum pormenor, como por exemplo a banda sonora. Os sons do Lewis Fautzi, para mim, ofereceram ao filme uma sonoridade circular que parece estar sempre constante, como no caso de “Tremors”, uma das músicas que aparece em Lenta Combustão. Um filme só pode ser construído assim, com a vontade de cada pessoa em preencher o filme e torná-lo mais completo com os resultados da sua função.
Em que te inspiraste para realizar Lenta Combustão?
Eu acho que em todos os filmes há um certo fetichismo. E a verdade é que este nasceu de um, para além de tudo o que já falei em cima acerca da temática e dos assuntos que senti necessidade de expor. Lembro-me de ter visto um vídeo aleatório no Youtube de uma mota a deslizar no chão e não sei porquê, aquilo foi muito cinematográfico para mim. Todo o processo que surgiu a seguir foi muito faseado porque eu queria perceber porque é que aquilo me chamava tanto à atenção e, na altura, foi muito importante para mim criar a personagem do Lucas. Pensar quem era este rapaz, de onde vinha, o que tinha, o que queria e esta relação com uma mota que seria quase uma extensão dele próprio. Na verdade, tudo o resto foi surgindo no argumento a partir do momento em que a personagem se tornou tão real para mim, que era automático saber como é que ele reagia a determinadas situações. Eu acho que esta fase de escrever um argumento é incrível e assustadora ao mesmo tempo. Tu passas a ver tudo de forma diferente quando estás à procura do filme na tua cabeça. Deitas-te a pensar nas personagens, sonhas e acordas ainda com elas na cabeça.
Tendo em conta o teu anterior filme, Última Noite, qual a progressão que identificas no teu trabalho? E continuidades? Há temáticas que se repetem neste filme?
O Última Noite era uma situação muito específica e particular. Era um filme de estúdio e a liberdade estava muito restringida àquele espaço. Lembro-me que foi importante trabalhar cada pormenor de contexto e tornar o argumento uma coisa muito simples que fosse coerente em 15 minutos. Com o Lenta Combustão parece que nos abriram as janelas todas e que podíamos fazer tudo o que quiséssemos. Às vezes isso pode ser bom ou mau e neste caso sinto que esta liberdade me permitiu ter coragem de arriscar em certas posições. Tudo o que eu quis experimentar, experimentei. E acaba por ser um filme com muitas falhas, mas, de longe, o filme onde eu aprendi mais. Agora que penso nisso, as temáticas relacionam-se precisamente com dois períodos diferentes da minha vida, e sinto que de certa forma se cruzam na ideia de busca de expressão, de uma voz singular.
Que trilhos percorrerá ainda Lenta Combustão?
Continuar a tentar outros festivais, acho que é o objetivo.