Os melhores filmes de 2021
O cinema está vivo e de boa saúde. Este que foi o segundo ano de pandemia confirmou que a qualidade da sétima arte não foi afetada por vírus algum. O ano de 2021 trouxe-nos tanto obras de autores consagrados (Campion, Vinterberg, Hong, Verhoeven, Villeneuve, Schrader), como novas vozes (Casarosa, Sarnoski, Zeller, Hall, Seligman, Fennell). Vimos e celebrámos filmes das mais variadas geografias – Alemanha, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, França, Japão, Dinamarca, Coreia do Sul, Holanda, E.U.A., Portugal. Curiosamente, os três lugares cimeiros da nossa lista são ocupados por realizadores asiáticos.
Para esta lista foram considerados elegíveis todos os filmes que estrearam em Portugal durante o ano de 2021, seja em estreia comercial, festivais de cinema, streaming, ou em plataformas online. Os filmes que estrearam nas últimas semanas de dezembro não puderam ser vistos a tempo da elaboração da lista, como por exemplo “Licorice Pizza” de Paul Thomas Anderson, “The Lost Daughter” de Maggie Gyllenhaal, “Matrix Resurrections” de Lana Wachowski, ou “The Hand of God” de Paolo Sorrentino.
Dada a geografia limitada dos festivais nacionais, alguns títulos incluídos na nossa lista foram exibidos em apenas uma ou poucas cidades portuguesas. Temos por isso consciência da impossibilidade para muitos leitores de terem visionado estes filmes ao longo do ano. Serve o presente top para promoção dessas obras, tendo algumas já data de estreia comercial em Portugal prevista para 2022, como é o caso de “Drive My Car” e “The Worst Person in the World”.
As melhores longas-metragens de 2021:
20. “Berlin Alexanderplatz”, de Burhan Qurbani
18. “City Hall”, de Frederick Wiseman
18. “Red Rocket”, de Sean Baker
17. “The Worst Person in the World”, de Joachim Trier
16. “Pathos Ethos Logos”, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel
15. “Luca”, de Enrico Casarosa (ler crítica)
14. “The Power of the Dog”, de Jane Campion (ler crítica)
13. “Pig”, de Michael Sarnoski
12. “The Father”, de Florian Zeller
11. “À l’abordage”, de Guillaume Brac
10. “Les choses qu’on dit, les choses qu’on fait”, de Emmanuel Mouret
Talvez porque à primeira vista não se distinguem facilmente dos filmes do Christian Clavier, talvez precisamente por serem tão diferentes destes, os filmes de Emmanuel Mouret têm passado relativamente despercebidos fora do seu país de origem. A verdade é que o realizador francês é indubitavelmente um dos mestres contemporâneos a trabalhar no chamado cinema de género. De regresso a um registo cómico, tem em “Les choses qu’on dit, les choses qu’on fait” um ensaio sobre o poder da palavra falada, da narração como motor de inspiração, assim como o poder dos gestos, dos grandes, sim, mas sobretudo dos pequenos, olhares furtivos e sorrisos trocados que a câmara tão bem assinala. Duas metades de um título que, não obstante, não são tomadas demasiado seriamente – são elementos de um jogo, porventura mais comedido que em “Un baiser s’il vous plaît” ou “Fais-moi plaisir!”, mas cujo espírito se mantém intacto, o que faz deste um dos filmes mais engraçados do ano – Diogo Vale
9. “O Menino da Ama”, de Tomotaka Tasaka (ler crónica)
Um filme de 1955 vindo da Terra do Sol Nascente que teve pela primeira vez estreia no circuito comercial de cinema não só em Portugal, mas no Mundo. Parte do ciclo “Mestres Japoneses Desconhecidos”, “O Menino da Ama” de Tomotaka Tasaka não se fica atrás de mestres de renome como Ozu. Uma criada de origens humildes consegue desbloquear a comunicação com o filho revoltado de uma família burguesa, suscitando relações inesperadas e autodescoberta em todo o seio familiar. Um filme tocante que nos comove através da leveza com que nos apresenta as dicotomias das suas díspares personagens, vindas de mundos tão diferentes que afinal são sempre o mesmo – David Bernardino
8. “Another Round”, de Thomas Vinterberg
No prefácio que escrevera para um livro, o psiquiatra Finn Skarderud sugeriu jocosamente que “talvez tenhamos nascido com um défice de 0,5g” de álcool no sangue. Uma brincadeira levada a sério em “Another Round”, filme dinamarquês sobre quatro professores que decidem testar a veracidade do comentário de Skarderud. Os resultados vão do hilariante ao trágico neste grande filme que é tanto sobre a Dinamarca e a sua relação com o álcool, como sobre amizade, crises de meia-idade e o carácter trágico-cómico da vida humana. Mads Mikkelsen é fenomenal – Pedro Barriga
7. “The Woman Who Ran”, de Hong Sang-soo (ler crítica)
Acusado de realizar sempre o mesmo filme, é precisamente nas pequenas variações narrativas e formais que reside muito do interesse do cinema de Hong Sang-soo. Os filmes do prolífico cineasta retratam o dia-a-dia de amigos e amantes, recorrentemente sentados à mesa de refeição, sempre regados a soju, enquadrados em planos longos e utilizando inventivamente o zoom para efeitos dramáticos. Mais do que as repetições e recorrências narrativas, o que nos fica de “The Woman Who Ran” são os diálogos e subtis gestos e reações de Kim Min-hee com as várias personagens com quem vai partilhando a cena. Um cinema de acasos, que se vai apresentando cada vez mais depurado e que consolida o nome do cineasta sul-coreano como uma das referências cinematográficas da atualidade – Bruno Victorino
6. “Benedetta”, de Paul Verhoeven
Mais uma incursão de Paul Verhoeven pelo subversivo, pela linguagem erótica, pelo gosto pelo proibido, desta vez no interior de um mosteiro numa França do Séc. XVII assolada pela peste. O maior mérito de “Benedetta” está na forma como se move por vários géneros de cinema, da comédia ao erótico, passando pelo drama e pelo terror. É essa ousadia, de não se deixar prender por regras de forma que agrilhoam o drama, esse género que engole todos os outros, que torna a câmara e a narrativa de Verhoeven tão original. Poder-se-ia dizer que “Benedetta” é um guilty pleasure legítimo – David Bernardino
5. “Dune”, de Denis Villeneuve (ler crítica)
Tecnicamente, Denis Villeneuve consegue a proeza de criar uma obra ao nível de “Lord of The Rings” (Peter Jackson) e “Star Wars” (George Lucas). Não há muitos exemplos ao mesmo nível nos últimos 30 anos da história do cinema de blockbusters. Adaptar uma das maiores obras literárias de ficção científica nunca será tarefa fácil, mas é impossível negar que Villeneuve conseguiu capturar a essência que Frank Herbert transmitiu com as suas palavras quando em 1965 escreveu “Dune”. A cinematografia hipnótica, aliada a mais uma obra-prima de Hans Zimmer no que toca a bandas sonoras, contribuiu em grande parte para que esta primeira parte de “Dune” se tornasse já um marco no cinema blockbuster dos últimos 30 anos. Contudo, nada disto seria possível sem a enorme coesão ao nível de interpretações e realização, algo que só os grandes realizadores conseguem criar – João Miguel Fernandes
4. “The Card Counter”, de Paul Schrader
Paul Schrader regressa à mesma estrutura narrativa explorada na sua obra anterior, “The First Reformed”, e também ao mesmo estilo de personagem principal: um homem em decadência moral e com grande atração pela sua própria destruição e noção pessoal de justiça a qualquer custo. Com uma realização soberba, montagem exímia e banda sonora sufocante, Schrader entrega-nos um filme repleto de tensão, caos controlado e falsa esperança, com mais uma interpretação de excelência de Oscar Isaac no papel de um ex-militar que vive sob a sombra do passado, mas com olhos numa futura vingança enquanto deambula pela vida sem estar realmente consciente da sua envolvência – João Miguel Fernandes
3. “Drive My Car”, de Ryûsuke Hamaguchi
Baseado em contos de Haruki Murakami, “Drive My Car” acompanha Yusuke Kafuku, um encenador e ator de teatro, que lida com um acontecimento traumático enquanto se prepara para realizar uma peça para um festival. A literatura de Murakami assenta que nem uma luva no cinema de Hamaguchi, trazendo-lhe, eventualmente, uma dose extra de melancolia e amargura. A narrativa do filme propriamente dito vai sendo informada pela narrativa da peça de teatro, num jogo metalinguístico que explora, em várias dimensões, os papéis que vamos desempenhando ao longo da vida e que nos permitem persistir contra todas as adversidades. O carro, a que o título do filme alude, transforma-se progressivamente no centro nevrálgico do drama, acompanhando o crescimento exponencial da relação entre Yusuke e Misuke, a motorista que lhe é designada e que passa de personagem secundária a um dos esteios do filme – Bruno Victorino
2. “Minari”, de Lee Isaac Chung
Um filme que é um pedaço de vida. Chung parte das suas memórias de criança para contar a história acidentada de uma família coreana que se muda para o Arkansas, à procura do tão prometido sonho americano. Um retrato de solidão, teimosia, infância e choques culturais. Um filme que é pequeno mas grande, íntimo mas universal. O elenco é impecável, com particular destaque para Yuh-Jung Young, vencedora do Óscar de Melhor Atriz Secundária. Junte-se ainda a belíssima banda sonora de Emile Mosseri e a ensolarada fotografia de Lachlan Milne e o resultado é uma obra primorosa – Pedro Barriga
1. “Wheel of Fortune and Fantasy”, de Ryûsuke Hamaguchi
A cultura japonesa tem um termo referente a uma estética particular: shibui. A tradução é difícil, mas diz-se que este termo se refere à beleza da simplicidade e à perfeição nas imperfeições. A tal roda da fantasia e da fortuna do título português deste filme de Hamaguchi Ryûsuke no título original corresponde a uma enunciação bastante mais direta: “Coincidência e Imaginação”. Provavelmente nada disto é shibui, mas da relativa simplicidade destes dois conceitos apenas, Hamaguchi forja três contos cujos pequenos detalhes dão substância e complexidade a estas histórias de encontros, possibilidades, equívocos e sonhos. A pauta subtil traz ao de cima o melhor dos atores e dá ao filme uma leveza refrescante – Diogo Vale
Dedicamos também um espaço às melhores curtas-metragens do ano, pequenas em duração mas filmes de pleno direito.
As melhores curtas-metragens de 2021:
1. “Paz”, de José Oliveira e Marta Ramos
2. “The Duel”, de Takanobu Mizuno
2. “O Travelling de Capô”, de João Lameira
4. “Sortes”, de Mónica Martins Nunes
5. “O Resto”, de Pedro Gonçalves Ribeiro
5. “Picnic Free”, de Kevin Jerome Everson
5. “The Japanese myth of the trickster raccoon”, de Anna Samo
8. “Hotel Royal”, de Salomé Lamas
8. “Right Up Our Alley”, de Anthony Jaska
8. “Misty Picture”, de Mathias Muller e Christoph Girardet
11. “La Dama del Fantaterror”, de Diego López
12. “A Menina Parada”, de Joana Toste
12. “Earthearthearth”, de Daichi Saito
12. “Progressive Touch”, de Michael Portnoy
Por último, incluímos as contribuições individuais de cada participante para a eleição das melhores longas-metragens de 2021:
Pedro Barriga:
- “Another Round”, de Thomas Vinterberg
- “The Worst Person in the World”, de Joachim Trier
- “Red Rocket”, de Sean Baker
- “Dune”, de Denis Villeneuve
- “Luca”, de Enrico Casarosa
- “Wheel of Fortune and Fantasy”, de Ryûsuke Hamaguchi
- “Drive My Car”, de Ryûsuke Hamaguchi
- “Minari”, de Lee Isaac Chung
- “Collective”, de Alexander Nanau
- “No Time to Die”, de Cary Joji Fukunaga
João Miguel Fernandes:
- “The Card Counter”, de Paul Schrader
- “Dune”, de Denis Villeneuve
- “Minari”, de Lee Isaac Chung
- “Berlin Alexanderplatz”, de Burhan Qurbani
- “Benedetta”, de Paul Verhoeven
- “Another Round”, de Thomas Vinterberg
- “The Power of the Dog”, de Jane Campion
- “Shiva Baby”, de Emma Seligman
- “Pig”, de Michael Sarnoski
- “Black Bear”, de Lawrence Michael Levine
David Bernardino:
- “O Menino da Ama”, de Tomotaka Tasaka
- “The Father”, de Florian Zeller
- “The Card Counter”, de Paul Schrader
- “Minari”, de Lee Isaac Chung
- “Pig”, de Michael Sarnoski
- “Spencer”, de Pablo Larraín
- “Dune”, de Denis Villeneuve
- “In the Earth”, de Ben Wheatley
- “Titane”, de Julia Ducournau
- “West Side Story”, de Steven Spielberg
Bruno Victorino:
- “Drive My Car”, de Ryûsuke Hamaguchi
- “Wheel of Fortune and Fantasy”, de Ryûsuke Hamaguchi
- “City Hall”, de Frederick Wiseman
- “À l’abordage”, de Guillaume Brac
- “Fabian oder Der Gang vor die Hunde”, de Dominik Graf
- “Les choses qu’on dit, les choses qu’on fait”, de Emmanuel Mouret
- “The Woman Who Ran”, de Hong Sang-soo
- “Madres Paralelas”, de Pedro Almodôvar
- “Cry Macho”, de Clint Eastwood
- “Old”, de M. Night Shyamalan
Inês Bom:
- “Drive My Car”, de Ryûsuke Hamaguchi
- “O Menino da Ama”, de Tomotaka Tasaka
- “Wheel of Fortune and Fantasy”, de Ryûsuke Hamaguchi
- “Inside”, de Bo Burnham
- “Minari”, de Lee Isaac Chung
- “The Woman Who Ran”, de Hong Sang-soo
- “À l’abordage”, de Guillaume Brac
- “The Power of the Dog”, de Jane Campion
- “The Card Counter”, de Paul Schrader
- “The Father”, de Florian Zeller
Diogo Vale:
- “Pathos Ethos Logos”, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel
- “Benedetta”, de Paul Verhoeven
- “Les choses qu’on dit, les choses qu’on fait”, de Emmanuel Mouret
- “Nueve Sevillas”, de Gonzalo García Pelayo e Pedro G. Romero
- “Tre Piani”, de Nanni Moretti
- “Antoinette dans les Cévennes”, de Caroline Vignal
- “The Woman Who Ran”, de Hong Sang-soo
- “Wheel of Fortune and Fantasy”, Ryûsuke Hamaguchi
- “Diários de Otsoga”, de Maureen Fazendeiro e Miguel Gomes
- “Eles Transportan a Morte”, de Samuel M. Delgado e Helena Girón