“O Professor Bachmann e a Sua Turma”, de Maria Speth: um retrato de uma cidade e de uma comunidade com uma história particular
Este artigo pode conter spoilers.
Stadtallendorf, na Alemanha, é uma pequena cidade industrial com um passado carregado. E este documentário retrata, numa escola, uma turma com filhos dos imigrantes atraídos pelas oportunidades de trabalho nas fábricas da cidade, fugidos de situações precárias nos seus instáveis países de origem. Estes crescem guiados pelo sábio Professor Bachmann, cujos métodos de ensino pouco convencionais trazem proximidade à sua relação com os seus alunos. É neste contexto que se insere a realizadora alemã Maria Speth com a sua câmara e que nos transporta para o ambiente desta sala de aula, na qual vivemos durante quase 4 horas.
“O Professor Bachmann e a Sua Turma ainda tem outra dimensão: ser um retrato de uma cidade e de uma comunidade com uma história extremamente particular. Maria Speth faz simultaneamente um retrato desta turma e também observa esta cidade e o seu contexto industrial como destino de vagas de imigração do médio oriente, do leste da Europa, e do norte de África.”
De uma forma contemplativa, em O Professor Bachmann e a Sua Turma, observamos o desenvolvimento destas crianças. Os seus dramas pessoais, a sua individualidade, o seu desenvolvimento como pessoas estão no centro deste filme. Desta forma, este retrato observador e profundo de uma sala de aula torna-se num estudo incrivelmente humano, fazendo com que fortes emoções surjam nos momentos mais simples e mundanos. Speth faz-nos olhar para o aspeto mundano da infância. Faz-nos olhar para a rotina da escola e das aulas, e faz-nos observar o que de tão humano lentamente floresce e se encontra neste meio. Meio esse cuja opressão inerente nunca é ignorada. É o conflito entre o humano na película e a opressão da instituição da escola que torna este filme tão impactante de uma forma profundamente emocional. A forma como os pequenos dramas do dia a dia das crianças, quer sejam na relação uns com os outros, nas suas famílias, ou consigo próprios, são retratados com uma sensibilidade que envolve o espectador nas imagens que surgem. As suas histórias e as suas experiências como crianças imigrantes ganham assim uma voz e um poder tremendo.
No entanto, as crianças não são os únicos protagonistas deste documentário. Ao centro está ainda o titular Professor Bachmann, um professor algo excêntrico, cujos métodos de ensino saem da rigidez do sistema de ensino a que estamos habituados, ao fundir criatividade com exercícios de Línguas e matemática. Assim, ao mesmo tempo que o espectador se afeiçoa às crianças e aos seus dramas e peculiaridades, também se afeiçoa (e até diria que se apaixona) por esta figura adulta que transmite tanto conhecimento como afeto a estas crianças de backgrounds tão variados.
Ao longo do filme, são revelados detalhes do lado humano desta figura que ao inicio parece algo mítica — durante os primeiros minutos do filme apenas ouvimos a sua voz, Speth apenas apontando a câmara e que revela a sua figura física alguns momentos depois. São-nos revelados certos aspetos do seu passado que dão uma nova dimensão emocional à sua figura, estando a sua figura também em constante desenvolvimento na nossa perceção.
Para além do retrato desta turma e deste professor, O Professor Bachmann e a Sua Turma ainda tem outra dimensão: ser um retrato de uma cidade e de uma comunidade com uma história extremamente particular. Speth faz simultaneamente um retrato desta turma e também observa esta cidade e o seu contexto industrial como destino de vagas de imigração do médio oriente, do leste da Europa, e do norte de África. A realidade proletária e imigrante de Stadtallendorf flutua como um espetro sobre o filme. O passado da sua origem, intrinsecamente ligado ao passado da Alemanha Nazi, é também uma presença que se manifesta ao longo do filme, quer seja em aulas de História, numa visita de estudo, ou mesmo no próprio passado familiar de Bachmann — cujo nome alemão apaga o passado da sua família como imigrantes polacos.
De uma forma pervasiva, a experiência imigrante é o coração deste filme — seja de imigrantes recém-chegados, ou de imigrantes em primeira ou segunda geração. A sua precariedade, a sua vulnerabilidade, a forma como são explorados pelo sistema capitalista são capturados de uma forma certeira por Speth, que apresenta uma visão humanista do mais tocante que é possível encontrar no cinema. Professor Bachmann e a Sua Turma torna-se mais do que apenas um documentário sobre uma turma. Torna-se numa observação e numa reflexão sobre a infância, sobre o ensino, sobre o futuro, e sobre a experiência dos imigrantes na Europa, a sua realidade capturada sem filtros. Através da sua sensibilidade, Speth suga-nos para esta realidade durante o seu longo filme, fazendo com que a sua duração seja quase impercetível do tão emocionalmente forte e humano o seu olhar sobre o Professor Bachmann e a sua turma é.