A importância de um teatro independente
Como árvore à sombra da qual nos sentamos, de cujos frutos bebemos o sumo, um teatro com bilheteira própria, um escritório, uma ou duas salas onde ensaia, expõe, ou estreia não é apenas saudável, mas fundamental para que o teatro como exercício se pense e renove.
Um teatro independente é um lugar de erros permanentes e a última esperança para uma forma de estar nas artes performativas que salva a sua essência. Foi em teatros independentes que se inventou o teatro contemporâneo. Foi num teatro independente que Shakespeare escreveu as suas peças ou Stanislavski experimentou o seu sistema; num pequeno teatro independente estreou-se um dia “À Espera de Godot”, de Samuel Beckett; só num teatro independente, com a continuidade que ele permite, é que Peter Brook poderia descobrir o Espaço Vazio; ou Ariane Mnouchkine pôde desenvolver uma prática teatral que ensinou outros mestres a ler os clássicos.
Um teatro independente é uma oficina, um laboratório, um lugar de experimentação; todo o artista sonha com este lugar, mas é a cidade que precisa dele. Da sua vitalidade, do seu risco, da sua forma estranha de existir.
Cada teatro independente que se fecha é uma árvore de fruto que seca. Perdemos a sua sombra, e a referência da sua copa. Deixaremos que apodreçam no chão os seus últimos frutos. Cada teatro independente que se fecha é uma oportunidade perdida para a relação directa, sem intermediários, entre o artista e a cidade. Ficaremos reféns de um contexto, um festival, a programação de um teatro do Estado, uma qualquer efeméride, para nos relacionarmos com a obra de um artista. Teremos de fazer a peregrinação pela cidade, em alturas específicas, em busca da sala onde este artista se apresenta. E, acima de tudo, o artista, perdendo o lugar do risco, deixa de ter um lugar onde se ultrapasse, onde rasgue com os seus vícios, onde dê a mão a quem precise.
Perdemos todos quando não há espaços independentes para a arte.
A decisão da Universidade de Lisboa de retirar aos Artistas Unidos o espaço que há onze anos ocupam é uma decisão que tem direito de tomar; mas entrega-nos, aos que fazem e aos que vêem teatro, um problema, ao mesmo tempo prático e simbólico: vamos perdendo, um a um, os espaços onde se podem fazer os primeiros projectos, os que não se sabe exactamente o que são, os que não cabem num contexto, os que dão identidade a uma companhia, os que falham ou crescem o suficiente para nos ensinar a falar de novo.
Manter os teatros independentes deveria ser uma decisão política estratégica para o bem do tecido cultural nacional. Mas, para além do Estado, precisamos que se “desabandonem” armazéns, garagens e lojas. É urgente a ocupação do espaço pela arte; o convite da arte para o espaço; precisamos da Universidade de Lisboa, que deu casa aos Artistas Unidos; precisamos da Fundação Maria Magdalena de Mello, que deu casa à Cornucópia; precisamos do Clube Estefânia, que deu casa à Escola de Mulheres.
Onde couber um teatro, deve existir um teatro. Como árvore à sombra da qual nos sentamos, de cujos frutos bebemos o sumo, e que regamos pela importância e prazer de nos ver crescer em conjunto.